"O direito é criado pelo homem, é um produto tipicamente humano, um artifício sem entidade corporal, mas nem por isso menos real que as máquinas e os edifícios." - Gregorio Robles

28.10.21

Ruy e a "doença de achar sempre razão ao Estado"

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O trecho a seguir é da "Oração aos Moços" de Ruy Barbosa, escrito para os formandos de 1920 da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo. 

Não vos mistureis com os togados, que contraíram a doença de achar sempre razão ao Estado, ao Governo, à Fazenda; por onde os condecora o povo com o título de “fazendeiros”. Essa presunção de terem, de ordinário, razão contra o resto do mundo, nenhuma lei a reconhece à Fazenda, ao Governo, ou ao Estado.

Antes, se admissível fosse aí qualquer presunção, havia de ser em sentido contrário; pois essas entidades são as mais irresponsáveis, as que mais abundam em meios de corromper, as que exercem as perseguições, administrativas, políticas e policiais, as que, demitindo funcionários indemissíveis, rasgando contratos solenes, consumando lesões de toda a ordem (por não serem os perpetradores de tais atentados os que os pagam), acumulam, continuamente, sobre o Tesoiro público terríveis responsabilidades.

Um libelo antiarbítrio, na linha do que temos defendido no blog. O Estado é autoritário em sua natureza e instrumento dos grupos dominantes. Precisa portanto ser controlado, fiscalizado, enfim, ter suas garras podadas — o pouco que consigamos! — em prol do cidadão, que é  parte vulnerável nessa relação.

Isso do juiz que acha "sempre razão ao Estado" a gente encontra em cada esquina. Quantas demandas legítimas não são rejeitadas diante de um ato administrativo, sob a única afirmativa de que o ato administrativo tem presunção de legalidade e veracidade? O Estado falou, tá falado. O cidadão que se vire.

Faço essa ponderação cum grano salis. Aqui me separo do liberalismo clássico do venerável Ruy, mas para avançar (e não regredir na concepção): o Estado é ruim, mas, dialeticamente, acaba por ser imprescindível para a efetivação dos direitos fundamentais (principalmente em face dele mesmo). Daí a crítica ao Estado não poder se converter em seu oposto, a apologia da lei da selva de mercado.

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