"O direito é criado pelo homem, é um produto tipicamente humano, um artifício sem entidade corporal, mas nem por isso menos real que as máquinas e os edifícios." - Gregorio Robles

22.10.21

O contribuinte tratado a pontapés

tributo tributação administração pública servidor estado brasil imposto

Em sua tese de doutorado, conforme disse no post anterior, Hugo de Brito Machado cita exemplos práticos de arbítrio estatal contra o cidadão, com foco em matéria tributária. Reporto o leitor ao texto que pode ser lido aqui, até porque percebi que tinha esquecido de disponibilizar o link.

Esse arbítrio estatal está em todo lugar. Mas aproveitando o mote, me lembro de uma vez na Secretaria de Estado da Fazenda do Rio de Janeiro. Na época eu estava resolvendo algumas questões de ITD e precisei comparecer diversas vezes à repartição. Isso na época da época da "falência" do Estado, no governo Dornelles, finais de 2016. Era um caos. Calorão danado — escusado dizer que era o tórrido dezembro carioca —, horas para ser atendido. Cada ida ao local era um dia perdido só para aquilo. Lembro-me de comentar com outros infelizes: parece um favor que estamos fazendo, não? Pois estávamos lá para pagar tributos. Tirar dúvidas, buscar esclarecimentos etc., tudo que dizia respeito, em última instância, à atividade arrecadatória do Estado. Mas o Estado parecia não querer receber, ou ao menos nunca vi credor criar tantas dificuldades para o devedor. E eis o contribuinte tratado a pontapés.

Às vezes quase literalmente.

Naquela época fechava cedo, por volta das 3 da tarde. Fui correndo mas não deu, cheguei tipo 3 e 1. Ainda tinha um sujeito na porta. Mal consegui balbuciar alguma coisa quando mandou com voz de trovão, "já fechou!", e bateu com força a porta atrás de si. Fiquei lá parado. Mais um pouco a porta acertava-me o nariz. Servidor "público", com um "servidor" desses o público está lascado.

Quero pontuar algumas coisas. Tenho total solidariedade para com os trabalhadores da administração pública, muitas vezes às voltas com salários atrasados e assédio moral. Era uma época de crise no governo fluminense, como falei acima, e não duvido até que o pessoal da Fazenda — ao menos os da base da pirâmide, claro, afinal nunca falta para o andar de cima — não estivesse recebendo em dia. E todos temos dias ruins e nem sempre podemos ser Miss Simpatia. Contudo, há uma questão de urbanidade básica que não pode ser descurada. É civilizatório. Não posso descontar meus problemas em quem nada tem a ver. Quem trabalha com público precisa ter isso em mente, ainda que concorde que seja difícil. A outra coisa é que esse cenário descrito foi melhorando, hoje o atendimento é agendado e em instalações melhores. Mas falta muito, muito ainda. Ainda muitos pontapés pela frente, neste país de modernidade tardia que é o Brasil.

Nenhum comentário:

Postar um comentário