"Sem juridisdição efetiva simplesmente não se pode falar em nenhum direito, especialmente contra o Estado", diz o tributarista Hugo de Brito Machado na tese de doutoramento que tenho citado aqui no blog. Essa imprescindibilidade da jurisdição é um marco civilizatório. Se bem me lembro dos tempos das aulas de Teoria Geral do Processo, a alternativa a isso é a autotutela dos antigos: um porrete na mão e que cada um faça valer seus direitos. Cada um por si e Deus por todos. Ou a autocomposição, quando as partes voluntariamente se resolviam.
A jurisdição (juris + dictio, dizer o direito) é um salto qualitativo nisso. Agora há o terceiro desinteressado, o Estado Juiz que, de forma equidistante, arbitra o conflito social diante de si.
Um interregno: gosto da palavra "equidistante" porque me lembra esta canção de Caetano:
Um ponto equidistante entre o Atlântico e o Pacifico, que joia esse verso.
Mas, a jurisdição. O caráter neutral é imprescindível para garantir o consenso social em torno da recorribilidade ao Judiciário. Afinal, ninguém depositaria sua confiança em uma instituição da qual saiba de antemão ser hostil e parcial — é melhor correr atrás por contra própria, e então voltamos duas casas no processo civilizatório.
Ocorre que mesmo a própria neutralidade asséptica parece não bastar, sobretudo em uma sociedade dilacerada por antagonismos de classes e quando o grosso dos conflitos está longe de se dar em pé de igualdade (relações de consumo, tributárias, trabalhistas, criminais, para ficarmos nesses exemplos, são caracterizadas pela disparidade de armas, havendo um nítido pólo fraco).
Portanto, mais que neutro penso que o Judiciário — a quem cabe a jurisdição — deve ser acolhedor. O Estado Juiz deve perder sua face terrível e solene, coisa de um grave Javé bíblico, e tornar-se o locus em que o indivíduo pode, sentindo-se amparado, depositar sua esperança. Se terá direito ao provimento do pedido é outra história; não falo aqui em paternalismo. Mas uma oitiva empática para o seu drama é o mínimo que se pode esperar.
O que digo acima está em consonância com os ares do Estado dito Democrático e Social de Direito. Falei em processo civilizatório. Esse burilamento vai colocando em xeque, de forma dialética, a própria essência do Estado, que é a de ser fruto da luta de classes e instrumento da classe dominante. É que, ainda que seja assim, na ausência de alternativas de democracia direta o Estado vai se tornando cada vez mais imprescindível para a efetivação dos direitos fundamentais.
Não sou romântico e sei que "aqui embaixo as leis são diferentes". Já contei isto no blog: uma vez, ao sair de uma audiência em JEC, meu cliente, o autor da ação, vítima de severa ofensa ao direito consumerista, comentou atordoado comigo que ele que se sentiu o réu, tão maltratado foi pela juíza leiga. Isso é foda.
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