"O direito é criado pelo homem, é um produto tipicamente humano, um artifício sem entidade corporal, mas nem por isso menos real que as máquinas e os edifícios." - Gregorio Robles

31.5.24

Religião e o racismo por trás da intolerância

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Há uma tendência de relativizar o racismo religioso, dando a ele uma aparência de simples "divergência doutrinária". Ou seja, a aversão — materializada em deboche, apagamento, violência moral e física etc. — contra os cultos de matriz indígena e africana seria fruto de uma distensão "teológica" apenas, sem que houvesse racismo no caso. Mas há um equívoco crasso em sustentar isso, como veremos.

Primeiro, há que fazer a pergunta: por que a divergência meramente teológica tem como alvos prioritários apenas a religiosidade afro-indígena? Os brancos europeus Zeus, Apolo, Afrodite, fazem parte da nossa cultura ocidental. O nórdico Thor é heroi de cinema. Todos deuses pagãos em sua origem, cultuados em práticas que poderiam ofender nossa suscetibilidade civilizada moderna. Isso não impede, como dito, que estejam incorporados às nossas expressões culturais. Mas o mesmo beneplácito não é dado aos pretos Ogum e Exu, por exemplo. São tomados por demônios — e "só Jesus expulsa o Tranca Ruas das pessoas", como diz a infame frase que o fundamentalismo cristão gosta de espalhar pelos muros da cidade... 

Thor é loiro de olhos azuis. Exu, preto africano. Um é super-heroi, o outro demônio. Como é possível não perceber o racismo profundo, ínsito a essa diferença de tratamento? Não é em absoluto uma questão meramente teológica. Sobretudo, porque a crítica teológica — aqui já nos pórticos da religião comparada e da filosofia da religião — demanda estudo e conhecimento. E se debruçar sobre Exu, novamente usando o exemplo, implica em entender que a entidade não é mais maléfica do que o Hermes grego, com o qual geralmente é equiparado. Refiro-me ao Exu iorubá, candomblecista, mas podemos dizer o mesmo do de Umbanda (e de Quimbanda). Estudar e conhecer, e assim preconceitos caem por terra.

O racismo é estrutural, como tem sido dito. Está introjetado e nem sempre damos conta. Estamos imersos em ideologia — alguns dos posts mais recentes no blog falam do mito da neutralidade no direito — e, como Marx e Engels ensinam, as ideias dominantes de uma época são as ideias das classes dominantes. Nosso país é miscigenado e rico em sua pluralidade, mas nasceu em bases racistas; séculos de escravidão negra e genocídio indígena não me deixam mentir. Tal racismo não desaparece da noite para o dia e é evidente que a religião (e demais manifestações culturais) dos grupos explorados e oprimidos da sociedade seguirá sendo vítima desse fenômeno. 

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