"O direito é criado pelo homem, é um produto tipicamente humano, um artifício sem entidade corporal, mas nem por isso menos real que as máquinas e os edifícios." - Gregorio Robles

30.5.24

As enchentes no Sul e intolerância religiosa

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Na sessão ordinária de ontem, 29 de maio, no Instituto dos Advogados Brasileiros, fiz uma fala acerca dos episódios de racismo e intolerância religiosa que têm sido observados na tragédia do Rio Grande do Sul. É incrível, mas em pleno ano de 2024 há setores fundamentalistas que associam as enchentes à prática de religiões de matriz indígena e africana no estado.

Reproduzo abaixo o teor da minha fala, tal como expressei da tribuna. 

Exmo. Sr. Dr. Presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros


— Intolerância e racismo religiosos
 na tragédia do Rio Grande do Sul 


A tragédia capitalista ambiental — porque não é possível falar em meio ambiente sem levar em conta o sistema de produção no qual estamos inseridos — que devastou o Rio Grande do Sul e segue fazendo vítimas tem revelado, além de tudo, um aspecto sinistro de setores da sociedade brasileira.

Refiro-me à intolerância religiosa. Já há inúmeros episódios em que a catástrofe é associada à prática de cultos de matriz indígena e africana no estado, isso quando seus próprios praticantes não são acusados de, mediante sortilégios de qualquer tipo, terem eles mesmos causado as inundações. 

Dentre vários exemplos, cito o pároco do município de Nova Andradina, Mato Grosso do Sul, que disse em prédica que o Rio Grande do Sul "há muito tempo abraçou a bruxaria e o satanismo" e deplorou que o estado seja "o mais ateu da federação", e a influencer mineira que afirmou que "o estado do Rio Grande do Sul é um dos estados com maior número de terreiros de macumba" e que isso traria a "ira de Deus", ambos os casos já corretamente sob os cuidados do Ministério Público.

Sr. Presidente, é incrível que já na terceira década do século XXI estejamos observando manifestações grosseiras de obscurantismo religioso dos mais atrasados. É uma mentalidade que evoca as inquisições do passado, à qual são agregados o racismo e o preconceito de classe. 

Acho importante que o Instituto dos Advogados Brasileiros, que tem dentre seus fins estatutários a defesa da igualdade racial, dos direitos fundamentais e da democracia, esteja sempre alerta e vigilante quanto ao tema.

Encerro aqui e peço a V. Exa. a honra de ter esta pequena manifestação registrada na ata da sessão. 

JOYCEMAR LIMA TEJO
ADVOGADO
OAB/ RJ Nº 116.978

Rio de Janeiro, 29 de maio de 2024.



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