As relações materiais condicionam a vida mas não lhe determinam. É importante pensar nesses termos para evitarmos um mecanicismo reducionista. O poder material detém também o poder espiritual, mas a Grécia derrotada impõe sua autoridade cultural sobre Roma vitoriosa. A realidade é muito mais complexa do que esquemas de manual podem querer fazer supor.
Mas que tais relações materiais têm importância fulcral é um fato. Tudo começa com elas. Antes de filosofar e abstrair é preciso viver, afinal; ter um teto sobre a cabeça, ter comida e o que vestir. O resto vem depois. E o modo como vivemos condicionará a forma como pensamos. Em um exemplo muito pueril mas que gosto de usar: imaginemos determinada sociedade em que as pessoas sejam nutridas e sustentadas pelos seus tios, e não por seus pais. Não é evidente que Deus, em tal sociedade, seria o "Tio Nosso"? A forma como vivemos, isto é, as relações concretas e materiais condicionando as manifestações culturais e ideológicas, a religião, no caso desse exemplo.
Essa forma de abordar a vida, a dialética materialista histórica, nos ajuda a compreender o racismo religioso, por exemplo. Os cultos afro-indígenas são marginalizados não apenas por divergência teológica em relação ao cristianismo hegemônico. Thor pertence a um panteão pagão e bárbaro mas, europeu, loiro e de olhos azuis, é transformado em heroi de cinema, destino que não é dado ao preto africano Ogum. A "divergência teológica" é condicionada por uma relação de séculos de dominação, colonialismo e escravagismo; o africano é reputado mau e atrasado e, portanto, suas manifestações religiosas são também assim consideradas.
Ou seja, encontramos na controvérsia "teológica" um problema de base concreta. A teologia não se reduz às relações materiais, mas é influenciada enormemente por ela. Uma sociedade historicamente racista e escravagista gerará, em menor ou maior grau, expressões culturais e ideológicas — religião inclusive — à sua feição.
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