"O direito é criado pelo homem, é um produto tipicamente humano, um artifício sem entidade corporal, mas nem por isso menos real que as máquinas e os edifícios." - Gregorio Robles

5.11.21

Fernanda Montenegro na Academia Brasileira de Letras


É com satisfação que vejo que Fernanda Montenegro, decana da dramaturgia nacional, foi eleita para a Academia Brasileira de Letras. Assumirá a cadeira nº 17, até então ocupada por Affonso Arinos de Mello Franco (1930-2020), e cujo patrono é Hipólito da Costa. Creio que não seja necessário apresentar o currículo de Montenegro. Como destaca seu verbete na Wiki, "foi a primeira latino-americana e a única brasileira indicada ao Oscar de Melhor Atriz. É também a única atriz indicada ao Oscar por uma atuação em língua portuguesa", dentre outras conquistas e honrarias.

A indicação ao Oscar, como todos devem se recordar, foi em razão de "Central do Brasil" (Walter Salles, 1998), por sua vez indicado a Melhor Filme Estrangeiro na mesma 71ª edição da premiação (1999). Lembro-me vivamente da comoção na época. Sinceramente, contudo, preferi seu concorrente, o italiano vencedor "A Vida É Bela" ("La vita è bella", Roberto Benigni, 1997), cuja temática — a Segunda Guerra Mundial e o drama humano decorrente — é assombrosa. 

Mas isso é apenas uma digressão cinéfila. Voltando a Fernanda Montenegro, é uma bela aquisição para a Academia, como dito. Mas costumo sempre falar no estranhamento que sinto quando nomes não necessariamente vinculados à literatura (e artes escritas em geral) são alçados à condição de acadêmico. Afinal, como se trata de uma academia de letras, penso que por uma questão de coerência e pertinência seus ocupantes seriam pessoas das letras. Ainda que Montenegro tenha trabalhos escritos (e seu verbete na Wiki aponta ao menos duas obras, a saber, "Fernanda Montenegro: Itinerário Fotobiográfico" de 2018 e "Prólogo, ato, epílogo", de 2019), seu locus, o espaço onde brilhou e ganhou notoriedade, é o palco, as artes cênicas e dramatúrgicas. O mesmo pode ser dito de Ivo Pitanguy (1926-2016) que, cirurgião plástico!, ocupou a cadeira nº 22. Roberto Marinho ao menos era jornalista. Nesse sentido, talvez fosse mais adequado o modelo da Academia Francesa, que inspirou a brasileira, que ainda que se dedique aos assuntos da língua não é "de letras", se prestando assim a albergar os nomes de vulto em geral.

Como quer que seja, Montenegro é uma figura de peso de nossa história cultural e faz jus à honraria. E há outro aspecto de relevo aqui. É que além de tudo é importante que mais e mais espaços sejam ocupados por mulheres. Recentemente comentei no Facebook o meu espanto ao saber que só em 1981 a aludida Academia Francesa aceitou mulheres em seus quadros, na pessoa de Marguerite Yourcenar.


Que venham mais indicações. Vejam os senhores que os bolsonaristas chegaram a rebaixar a cultura. Como se sabe, o Ministério da Cultura foi extinto e convertido em uma modesta Secretaria Especial da Cultura, subordinada ao Ministério do Turismo, tocada por ineptos como Roberto Alvim, acusado de apologia ao nazismo, e Mario Frias, o atual Secretário, que anda armado e assusta funcionários. Tais são os homens à frente da cultura bolsonarista. Não passarão. Apesar dos ares funestos e obscurantistas do bolsonarismo, nosso país segue pródigo na produção de arte e cultura. 

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