Fux, o homem que mata no peito, assumirá a presidência do STF em setembro. Tecnicamente é um processualista de renome, tendo estado à frente da comissão elaboradora do anteprojeto do Novo Código de Processo Civil. Mas ainda que seja juiz de carreira, não tem o perfil discreto de um Lewandowski ou de um Celso de Mello- a polêmica envolvendo a nomeação de sua filha à vaga destinada ao quinto constitucional da Advocacia no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro segue firme na memória. E que dizer do lavajatista mote "In Fux we trust!" revelado pelo The Intercept? Aguardemos. A vice será Rosa Weber.
Há um interessante fenômeno. Não é novo; na história recente remete às diatribes de Joaquim Barbosa durante o julgamento da infame AP 470, o "Mensalão". É o juiz -no caso aqui, ministro do Supremo- alçado a pop star. JB estampou capas da "Veja", então inimiga figadal do PT, sob legendas como "A justiça suprema" (sic) e "O menino pobre que mudou o Brasil" (sic). Com todo respeito ao ministro e à sua trajetória de vida, não mudou coisa nenhuma– talvez para pior, haja vista que o neoliberalismo com tintas sociais do PT deu lugar hoje ao neoliberalismo de cores fascistas e olavo-terraplanistas do bolsonarismo. O Brasil contemporâneo caminha para ser um pária internacional. O uso da lawfare contra os governos petistas ajudou nisso, com a criminalização da política e a abertura de caminhos para saídas populistas. Ai dos tolos que não enxergam a instrumentalização política. Derrotado o PT, onde está o Joaquim que mudara o Brasil? Caiu no ostracismo, no doce mar do esquecimento onde imergem aqueles que já não têm serventia para o status quo. O legado foi uma aplicação da teoria do domínio do fato repudiada pelo próprio autor Claus Roxin. Emulando a mentalidade inquisitorial no ar, Weber (a próxima vice, lembro) disse: "Não tenho prova cabal contra Dirceu – mas vou condená-lo porque a literatura jurídica me permite". Torquemada sorri satisfeito.
Se as nêmesis do PT no STF eram herois, Sergio Moro foi alçado ao Olimpo. Um juiz de primeira instância, vejam que coragem e petulância, desafiando os "poderosos" e grampeando a própria presidente da República! A classe média lacerdista salivava. Bonner enchia a boca no Jornal Nacional. Derrotado o PT e seus líderes agrilhoados em uma longa operação urdida maquiavelicamente, o caminho estava livre para a vitória eleitoral de Jair Bolsonaro. E eis o impoluto paladino Sergio Moro empossado Ministro da Justiça & Segurança Pública de um governo associado a Queiroz, rachadinhas, milícias e laranjais. Não durou muito tempo. Reprovado no teste de fogo da vida real, longe da segurança de seu gabinete em Curitiba -veja, aqui no blog, Gilmar sobre Moro: "o piloto fugiu"-, saiu do governo acusando Bolsonaro de interferência política na Polícia Federal. Hoje é um dos "presidenciáveis" de 2022.
Penso que uma sociedade democrática e institucionalmente saudável é aquela na qual seus magistrados são ilustres desconhecidos. Ao Judiciário deveria caber o mais discreto dos papeis. Seus integrantes, ao contrário dos integrantes dos demais Poderes, não passam pelo crivo das ruas, o que demanda necessariamente exposição, publicidade e plateias. Uma boa aparência (sem adentrar o subjetivismo disso), carisma, retórica adequada. Esses, os do Legislativo e do Executivo, podem ser capa de revista e incensados como herois à vontade (com a ressalva evidente de que uma democracia saudável prescinde de herois). Os integrantes da magistratura, não. É mister que sejam discretos e sóbrios. A "melancia no pescoço" não lhes fica bem.
Dois pontos em destaque sobre isso. Quando digo que o Judiciário não passa pelo crivo da ruas, não quero dizer que deva se isolar em torres de marfim. Muito pelo contrário, o Poder Judiciário tem um compromisso iniludível com a democracia. Apenas digo que, na clássica conformação de Poderes, cabem a ele traços próprios, assim como os demais têm os seus; fossem idênticos, aliás, não faria sentido dizer que são "independentes e harmônicos entre si" (art. 2º da Carta). Bom aproveitar o ensejo para lembrar, nunca é demais, que democracia não é sinônimo de ditadura da maioria, mas sobre isso já falei no blog.
O outro ponto é este: a proeminência midiática do Judiciário não é culpa necessariamente do Judiciário. Tem a ver com as formas contemporâneas de manifestação do fenômeno constitucional (neoconstitucionalismo ou constitucionalismo contemporâneo, como prefere Streck), que dá ao Judiciário um peso maior no deslinde das questões sociais. A judicialização (quando se "leva" ao Judiciário) e o ativismo judicial (quando o Judiciário "vai atrás") sobre os grandes temas têm sido realidades constantes. Uma vez no centro das atenções, é fácil que o magistrado arvore-se em salvador da pátria. Tem algo de humano, demasiado humano nisso. Somemos o uso político ainda que involuntário (usuais na "guerra híbrida", isto é, o combate a adversários políticos por meios alternativos ou não convencionais em relação à guerra clássica: mídia, aparatos institucionais etc.) e eis o circo armado. Problemas que uma sociedade madura, e a brasileira está longe de sê-la, precisa enfrentar.
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