A bolha cada vez minguante do bolsonarismo entrou em polvorosa com a notícia de que autores de um estudo refutando o uso da cloroquina no tratamento da covid pediram retratação. Fantástico. A aludida retratação foi feita apenas em vista de inconsistências na base de dados utilizados em tal pesquisa; em face do comprometimento dos resultados em razão disso, os pesquisadores fizeram a "errata" pública. O método científico é assim mesmo. Há erros e acertos, resultados são verificados, descartam-se uns, comprovam-se outros e assim por diante. Os bolsonaristas, contudo, viram a "retratação" como demonstração do acerto do "Mito" em sua louca cavalgada em defesa da substância. Como se sabe, esse renomado cientista, Jair Bolsonaro, chegou a sugerir a substância até o quinto dia dos sintomas. É uma temeridade.
São tempos sombrios. A desconfiança contra a ciência, quando não aberta hostilidade, não é de hoje. Sobre isso indico "O mundo assombrado pelos demônios" de Carl Sagan, Sagan que enxergava a ciência como uma vela no escuro. Sob o bolsonarismo a escuridão se avoluma. O negacionismo reina: nega-se o desmatamento, o racismo, os crimes da ditadura civil-militar de 1964. É toda uma narrativa paralela, um mundo à parte, uma dimensão alternativa habitada por Bolsonaro e seus seguidores. Nesse reino assombrado pelos demônios do obscurantismo a cloroquina é o elixir da longa vida. Cheers!
É uma platitude, mas os problemas trazidos pela pandemia mundial precisam ser resolvidos com ciência e não voluntarismo. A comunidade científica tem seus protocolos e métodos. Ainda que as vítimas demandem urgentemente tratamento, penso que o açodamento e a afobação são inimigos. A cloroquina, para ficarmos no exemplo, é notória pelos efeitos colaterais. Ser eficaz em outros casos não quer dizer que seja também para a covid, assim como aspirina serve para algumas coisas mas não para outras. Evidentemente pacientes desenganados têm o direito de, mediante autorização, respeitados os limites éticos e com conhecimento dos riscos, se submeter a tratamentos alternativos. Contudo isso é excepcional. É muito diferente da prescrição de uma droga como política pública sem que haja sólidos resultados comprovados. Mas é isso que Bolsonaro quer: prescrever cloroquina a partir do cercadinho no Alvorada de onde hostiliza jornalistas.
Gostaria de tocar em dois pontos aqui. Em primeiro lugar, é preciso que não sejamos ingênuos quanto aos interesses da indústria farmacêutica. Remédios são criados (ou deixam de sê-lo!) em meio a contextos que envolvem interesses econômicos e políticos em maior ou menor grau. Nesse sentido, a sociedade civil deve exercer também sua pressão, exigindo não apenas tratamentos eficazes como sua acessibilidade à população; a saúde é direito fundamental, afinal, e o setor recebe aportes públicos. É oportuno, no ponto, o fomento da farmacêutica pública, na contramão do pesadelo privatista neoliberal.
O segundo ponto é uma provocação: é curioso ver bolsonaristas debruçados sobre pesquisas científicas quando, como falamos acima, representam um segmento do espectro político que é justamente avesso à ciência e aos fatos. Acaba funcionando assim: a pesquisa vale desde que corrobore a opinião pré-concebida (no caso aqui, aquilo que o "Mito" diz). Ciência à la carte. Caso contrário é coisa do globalismo comunista. Isso sim é o "viés ideológico" que está levando o País para o buraco.
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