"O direito é criado pelo homem, é um produto tipicamente humano, um artifício sem entidade corporal, mas nem por isso menos real que as máquinas e os edifícios." - Gregorio Robles

10.6.24

O povo tutelado e a longa jornada

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Ainda a questão da tutela da democracia. Sendo a efetivação dos direitos um processo de tentativa à base de erros e acertos, é possível que haja a tentação por parte de setores "esclarecidos" no sentido de tutelar, de direcionar, esse processo. Afinal, nessa ótica o povo seria um rebanho tolo, ingênuo, que não conseguiria — ao menos não no momento — se conduzir por si próprio. Portanto, é preciso que os "iluminados" conduzam o processo.

Tratar-se-ia de uma visão aristocrática das mais aviltantes. Contudo, é rotineiro na nossa história. A proclamação da República foi um golpe militar feito por cima, sem participação das massas. Vargas e 64 também; todos episódios em que "salvadores da pátria" substituem a vontade popular. O mesmo pode ser dito do golpe institucional — se pudermos utilizar o oximoro — contra Dilma Rousseff em 2016. Mudanças de cima conduzidas por minorias; a nossa democracia é esporadicamente pisoteada sem pena.

De forma mais sutil e guardadas as devidas proporções, a dita lei da ficha limpa — Lei Complementar nº 135/ 2010, que alterou a lei das inelegibilidades, a  Lei Complementar nº 64/ 1990 — tem algo desse espírito. O povo escolhe mal; coloca bandidos no poder. Portanto, vamos criar óbices para que esses bandidos não sejam eleitos. Ou seja, há um substitucionismo da vontade popular; ao invés de um processo de formação de consciência cívica, de formação cidadã, visando a rejeição pelo eleitorado de candidatos sem idoneidade, há a canetada "salvadora". Não é tema novo no blog. Um dos primeiros posts nesta plataforma é exatamente sobre isso.

Não quero parecer um ingênuo e depositar fé irrestrita nas escolhas do povo. Em absoluto. A ascensão dos fascismos, sob escrutínio popular, é uma prova histórica que joga contra. Mas entendo o seguinte: boas escolhas dependem, como dito acima, do fortalecimento da consciência cívica e da formação cidadã. Isso demanda educação e demais políticas públicas. E é uma longa jornada, sobretudo em, como temos dito aqui, um país de modernidade tardia como o nosso. Vale dizer, não há atalhos para a efetivação da democracia.   

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