"O direito é criado pelo homem, é um produto tipicamente humano, um artifício sem entidade corporal, mas nem por isso menos real que as máquinas e os edifícios." - Gregorio Robles

4.6.24

De materialização da democracia. E desvios.

democracia sociedade laicidade tributação constitui

Portanto deve-se buscar uma democracia que seja digna desse nome. Falo em relação ao post anterior. Conquistas meramente formais são fundamentais, sem dúvida. Mas se não houver uma efetiva materialização daquilo, ficamos no plano do conto de fadas. Daí falar-se juridicamente em "eficácia", que é a aptidão para produzir efeitos.

Observamos isso nas imunidades tributárias. Para facilitar a vida do leitor, reproduzo abaixo o trecho da Constituição que estou trazendo à baila:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[...]

VI - instituir impostos sobre:   (Vide Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;

b) entidades religiosas e templos de qualquer culto, inclusive suas organizações assistenciais e beneficentes;    

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;

d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.

e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser.   

É preciso entender o objetivo do constituinte ao estabelecer tais imunidades. Peguemos o exemplo dos templos. Não faz sentido prático dizer que há liberdade de crença se não consigo manter minha igrejinha aberta. Há imunidade tributária, portanto, para que os diversos cultos tenham condições materiais para funcionar (ou no mínimo para que tenham menos encargos sobre si). A imunidade sobre livros e papeis para sua impressão é óbvia no mesmo sentido — liberdade de ideias pressupõe veículos que lhe materializem. Não há liberdade de opinião se não há papel para lhe registrar. Seria uma liberdade oca; em tese existe, mas sem realização concreta. A proteção para partidos e sindicatos, a mesma coisa; ao tornar esses entes imunes à exação tributária, fica garantido, ou ao menos facilitado, seu funcionamento.

Então percebam, e voltando ao tópico das igrejas que citamos em post recente: o desiderato constitucional, ao fornecer tais imunidades tributárias, é o de assegurar a materialidade de direitos fundamentais (liberdade de crença, de pensamento, política etc.). Vale dizer, garantir um "mínimo existencial", um substrato básico para que possam ter existência concreta. Não se trata portanto de dar tratamento privilegiado, de criar privilégios para determinados grupos. Contudo — e vocês entenderão aonde quero chegar — isso deixa de ser verdade quando muitas vezes estamos falando em grupos multimilionários, verdadeiras multinacionais "da fé". A imunidade tributária, que deveria servir apenas para garantir a manutenção do culto, se torna na verdade uma forma de proteger lucros e rendas vultosos. Há um claro desvio em relação ao objetivo do constituinte.  

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