"O direito é criado pelo homem, é um produto tipicamente humano, um artifício sem entidade corporal, mas nem por isso menos real que as máquinas e os edifícios." - Gregorio Robles

31.7.21

Escritores indiscretos e direitos de personalidade

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Uma coisa que me fascina em romances autobiográficos é a pletora de indiscrições, comentários, infâmias e injúrias sobre pessoas que, até segunda ordem, são reais. Ou seja, você é amigo de fulano de tal e, caso fulano de tal tente enveredar pela literatura, eis você retratado, de forma talvez não muito elogiosa, em seus trabalhos por aí.

"Até segunda ordem" porque muito disso é cascata, meros recursos imaginativos do autor. Ninguém tem vida integralmente excitante, afinal de contas. E se você vai colocar a sua no papel, precisa fazer com que seja interessante, nem que para isso invente um pouquinho. Até que ponto, fica a critério do leitor imaginar. Digo isso porque também me aventuro pelo terreno literário, sobretudo poético, e aos interessados deixo o link para meu blog. Somos todos fingidores, fato, e a real medida disso pertence aos arcanos da imaginação criativa.

Estou com isso na cabeça porque estou relendo Henry Miller. O estilo literário é exatamente este: as experiências em primeira pessoa e os indivíduos com quem tem trombado. Supondo que esses sujeitos sejam reais, ainda que os verdadeiros nomes sejam substituídos é impossível que os retratados e as pessoas ao redor não se reconheçam — assim ficamos sabendo que A tem mau hálito, que B é brocha, que C é um perfeito idiota e assim por diante. Ser imortalizado na literatura é lisonjeador, mas, digamos, não exatamente desse jeito.

Como tudo na vida, circunstâncias de tal jaez podem ser judicializadas. No ordenamento brasileiro há todo o cabedal dos artigos 11 a 21 do Código Civil, versando sobre direitos da personalidade, corolário da dignidade da pessoa humana, fundamento constitucional da República (art. 1º, III da Carta). Honra, imagem, vida privada etc. O sujeito retratado de forma pouco graciosa pode botar no pau, pois sim. Pessoalmente não me recordo de algum julgado especificamente nesse contexto, cartas para redação quem se lembrar.

Tempos atrás escrevi em outro blog exatamente sobre isso, também a propósito de Miller. Falo na "dificuldade de ordem ética" em "transformar as pessoas ao meu redor em personagem de romance". O post é este, de 2006 (o tempo voa!). Sigo perturbadoramente fascinado pelo assunto. A literatura tem seus muitos caminhos e dilemas.

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