"O direito é criado pelo homem, é um produto tipicamente humano, um artifício sem entidade corporal, mas nem por isso menos real que as máquinas e os edifícios." - Gregorio Robles

15.7.21

Movimentos apartidários e jogo eleitoral

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Uma discussão que estará cada vez mais presente nas eleições vindouras é o papel dos movimentos dito cívicos, apartidários, que têm buscado se inserir nos rumos da vida política. Para isso os apartidários precisam de ... partidos. Não é exatamente uma opção, haja vista que a filiação partidária é uma condição constitucional de elegibilidade (art. 14, §3º, V). Mas não deixa de ser algo irônico, afinal os apartidários poderiam pensar em termos de alternativas ao institucionalismo vigente. Soluções "por fora" do sistema, digamos. Mas não — é justamente ao partidarismo que recorrem. Irônico, eu disse? Hipócrita não seria adjetivo de todo desarrazoado.

Como quer que seja, os apartidários correm atrás dos partidos em busca de legenda para lançar seus candidatos. Isso causa certos dissabores. Afinal os ditos movimentos têm pautas próprias, nem sempre coincidentes com o programa partidário ao qual se filiaram. De modo que o parlamentar "apartidário" eleito pode tomar posições e posturas dissonantes em relação ao partido pelo qual se elegeu. Os casos de Tabata Amaral e Felipe Rigoni, no PDT e PSB respectivamente, são exemplos. Ambos do Movimento Acredito, dito "suprapartidário". 

Sobre Rigoni, li os autos da ação nº 0600641-66.2019.6.00.0000, Ação Declaratória de Justa Causa para Desfiliação Partidária, no Tribunal Superior Eleitoral. Em síntese se trata disto: o parlamentar, desrespeitando a posição do partido contra a reforma da previdência em 2019, votou a favor. Em vista disso, ele e os rebeldes foram alvo de punições partidárias, tudo estatutariamente previsto. Rigoni ingressa com a aludida ação visando a desfiliação do partido sem a perda do mandato de deputado federal. Sua alegação: estaria sofrendo perseguição e discriminação pela cúpula partidária por causa de seu voto. Porém, ele e seu Movimento Acredito sempre foram a favor da reforma da previdência e o partido sabia disso. E apesar disso o partido admitiu o ingresso da turma do Acredito, inclusive assinando uma carta-compromisso em que se comprometia a aceitar a autonomia e a identidade do tal movimento.

O relator da ação, Tarcísio Vieira de Carvalho, julgaria a ação improcedente. A carta-compromisso não pode se sobrepor ao programa e à deliberação partidária. Portanto, a punição a Rigoni, que votara contra a posição fechada do partido, era legítima (até porque seguiu o trâmite estatutário). Mas foi voto vencido. Valeu a posição de Luís Roberto Barroso, para quem o partido voluntariamente abriu mão de parcela de sua autonomia ao aceitar integrantes de um movimento com pauta própria, tendo até assinado a já aludida carta-compromisso. Se o partido sabia e consentiu em respeitar a identidade do movimento, não pode agora reclamar. Portanto, a maioria da corte eleitoral albergou a pretensão de Rigoni, reconhecendo a justa causa para desfiliação sem perda de mandato.

"Embala que o filho é teu", eu diria. Não discordo de Barroso. Se o partido trava compromissos com movimentos de direita, não pode reclamar que seus integrantes, uma vez dentro do partido, tomem posições de direita. Podemos acusar os movimentos apartidários (ou "suprapartidários", para mim mero jogo retórico) de carrearem ironias e hipocrisias, como falo no início do texto, e mesmo de oportunismo — mas se o partido se deixa usar por esse oportunismo, é culpa do próprio partido. Talvez soe duro, mas não raro são os próprios partidos os grandes agentes do oportunismo, de olho na capilarização dos tais movimentos cívicos que pode trazer bons resultados eleitorais.

Por mais coerência, portanto. Respeito a princípios e programas. O sistema partidário brasileiro já é uma sopa de letrinhas que mal tem colorido ideológico, salvo raras exceções. O apego a princípios nem sempre dá frutos eleitorais, mas é o preço, não? Aqueles que amesquinham a política não podem se queixar do desencanto da população por essa mesma política. 

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