"O direito é criado pelo homem, é um produto tipicamente humano, um artifício sem entidade corporal, mas nem por isso menos real que as máquinas e os edifícios." - Gregorio Robles

5.8.21

Juizados especiais e fast food forense

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Leio o seguinte panegírico aos Juizados Especiais:

É inegável que os Juizados Especiais, cujo êxito atualmente está demonstrado, contaminam positivamente os profissionais que nele atuam, pois verificam que não se faz necessário um processo tão formal, com arrazoados intermináveis, para que sejam consideradas as versões de ambas as partes, nem mesmo cabimento de recursos de cada decisão (interlocutória) proferida dentro do processo para que se chegue a uma solução justa e equânime da controvérsia.

É do texto "Juizados especiais: práticas de ordinarização no procedimento sumaríssimo e regra ordinária de essência sumaríssima" de João Eduardo Ribeiro de Oliveira, publicado na Revista CNJ v.4, n.2, jul/dez 2020.

Causou-me espanto, com o devido respeito, a visão cor-de-rosa do cotidiano forense que as linhas acimam deixam transparecer. Como assim, os juizados "contaminam positivamente" os profissionais, por mostrar que não é necessário um processo tão formal, com "arrazoados intermináveis" e pluralidade de recursos?

Devagar com o andor que o santo é de barro.

É claro que o rito sumaríssimo traz muitas vantagens e deve ser mesmo o formato adotado para as situações já previstas em lei, de menor complexidade, envolvendo temas mais cotidianos e que precisam de resposta rápida. É o caso do grosso das demandas consumeristas. Além disso sua gratuidade (em primeira instância), por garantir o acesso democrático à justiça, é um grande avanço civilizatório.

Por outro lado, o rito sumaríssimo traz deficiências evidentes. A velocidade pode ser benção ou maldição, conforme a ótica. O problema aqui é a falta da devida atenção para com o assunto discutido. Os critérios de oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade (art. 2º, lei 9.099/95) não permitem a análise aprofundada do problema. E isso é muito grave. Sobretudo porque a segunda instância foge da rediscussão de provas como o diabo foge da cruz — isso é, se passarem por cima de algo, já era, no espírito da famigerada súmula nº 07 do Superior Tribunal de Justiça. 

Meu Deus, não há réplica. Os argumentos da contestação são rebatidos "nas coxas" na audiência de instrução, assim meio que de improviso. Como isso pode contaminar "positivamente" a prática profissional? Ah, que nem no rito comum há garantia de leitura e de atenção necessária por parte do magistrado. Que dirá no sumaríssimo, inclusive porque é um volume de massa assombroso (muito disso culpa do capitalismo tardio brasileiro, que empurra para o Judiciário as questões consumeristas mais comezinhas, confiante na impunidade e numa relação de custo-benefício).

Fiquemos assim: o rito sumaríssimo serve para aquilo que se propõe, ainda que tenha deficiências; mas estender seu espírito para o rito comum apenas traz prejuízo para as partes e rebaixa a prática forense, fazendo do nobre mister jurídico uma espécie de fast food. Sim, o que é ruim sempre pode ficar pior.

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