"O direito é criado pelo homem, é um produto tipicamente humano, um artifício sem entidade corporal, mas nem por isso menos real que as máquinas e os edifícios." - Gregorio Robles

7.10.22

A Constituição e a coisa mais preciosa que temos

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O último 5 de outubro teve uma aniversariante ilustre, a Constituição Federal em pessoa. 34 anos, uma bela balzaquiana. Anda sofrida, coitada; diuturnamente é espezinhada e vilipendiada por quem mais deveria protegê-la, os agentes públicos e os aparatos institucionais. Do cidadão médio não encontra melhor guarida: o homem do povo no geral padece de um desconhecimento atroz de seus direitos, deveres e obrigações. A Constituição aos seus ouvidos soa como algo distante, tipo "já ouvi falar" mas não sei exatamente bem do que se trata. Falta ao país, enfim, e de todos os lados, um sentimento constitucional.

Há uma frase de Einstein muito conhecida, sobre como nossa ciência — eram meados do século XX, mas não mudou — é primitiva e rudimentar diante da realidade. Isto é, sabemos muito pouco do universo. Porém, prossegue o físico, ela é a coisa mais valiosa que temos. Ainda que seja limitado, nosso conhecimento é precioso e é o que nos permite seguir em frente. Gosto de usar isso como analogia do Direito, no geral, e da Constituição em especial. Não sou idealista, no sentido pejorativo do termo. A nossa sociedade é de classes, e portanto baseada na exploração dos estratos mais vulneráveis. O Direito (e a Constituição), que busca regular tal sociedade, vai reproduzir seus preconceitos e mentalidade. As ideias dominantes são as ideias da classe dominante, como Marx e Engels ensinaram. 

Porém, e é a segunda parte da frase de Einstein: apesar de limitado e defeituoso, o Direito (e a Constituição) é o que temos de mais valioso, em termos de avanço civilizatório. Séculos literais de sangue e sofrimento foram necessários para chegarmos ao institucionalismo vigente, com seus direitos e garantias fundamentais. Se há um descompasso entre teoria e prática, entre o texto normativo e a vida cotidiana, é outra história; a mera positivação, a mera inscrição no papel foi fruto de luta e não caiu do céu.

É por isso que é preciso combater com todas as forças todas as tentativas tendentes ao retrocesso. O fascismo é retrógrado, é avesso à modernidade. Quer voltar atrás a roda da História. No Brasil contemporâneo o expoente disso é o bolsonarismo, com sua nostalgia da ditadura militar, com sua hostilidade injustificada contra as urnas eletrônicas, com sua aversão às conquistas de mulheres, pretos, índios e comunidade LGBT. Precisa ser derrotado em prol do ascenso civilizatório.

Que venham mais e mais aniversários da Carta. Não celebrações meramente formais, mas naquilo que tem de concreto. Seríamos uma nação digna das melhores utopias caso uma pequena parte dela, sobretudo no que diz respeito aos objetivos fundamentais, fosse aplicada e vivenciada. Não acredito em utopias — novamente, não devemos ser românticos e fechar os olhos para a dura realidade da sociedade de classes — mas elas servem, em todo caso, para nos ajudar a caminhar, como diz Fernando Birri nas "Palabras Andantes" de Eduardo Galeano.

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