Transcorreu em branco o prazo para o réu — quer dizer que ganhamos?, pergunta o cliente entusiasmado. Não necessariamente, vem minha resposta como uma espécie de balde de água fria. Mas doa a quem doer é a verdade e tenho por princípio não tergiversar com os clientes. Estou escrevendo essas linhas porque me deparei novamente mais cedo, hoje, com a situação. É sempre oportuno voltar ao tema da revelia, tão caro aos processualistas.
Se o réu não contestar a ação, será considerado revel e presumir-se-ão verdadeiras as alegações de fato formuladas pelo autor.
Eu acho que o texto é bem elucidativo. Funciona assim: o autor ingressa com ação, fazendo sua narrativa dos fatos. O réu é citado para contestar. Caso não o faça, apesar de regularmente intimado, é "revel"; ou seja, as alegações do autor são consideradas verdadeiras. É o famoso quem cala consente, no fim das contas. Se há a oportunidade de refutar as acusações mas o sujeito fica calado, presume-se que o outro lado está falando a verdade.
Contudo, reparem nas expressões que utilizei: "consideradas verdadeiras" e "presume-se". Ou seja, a revelia não implica em que as alegações do autor sejam verdadeiras; apenas cria-se a presunção a seu favor. É assim que diz o texto legal. A presunção de veracidade não é a veracidade em si. Juris tantum, "apenas de direito" — uma presunção relativa, frágil, que pode ser elidida por outros elementos independentemente da defesa que o réu deixou de apresentar. O próprio CPC faz esse destaque no artigo seguinte:
A revelia não produz o efeito mencionado no art. 344 se:(...)IV - as alegações de fato formuladas pelo autor forem inverossímeis ou estiverem em contradição com prova constante dos autos.
É preciso verossimilhança, propriedade do que é verossímil, ou seja, "que tem aparência de algo verdadeiro", aquilo "que há condições de ter ocorrido realmente; acreditável", segundo o Michaelis On-line. Vale dizer: não basta a inércia do réu, é preciso que a narrativa tenha forte plausibilidade. E tem que ser assim, inclusive para evitar fraudes. Caio, previamente combinado com Tício, demanda judicialmente contra Tício sob a alegação de que comprara deste o Cristo Redentor e não recebera a escritura. Tício deixa de responder — estão de conluio, lembre-se — e, assim, tem a revelia decretada contra si. Isso faz com que se reconheça a validade da venda do Cristo Redentor? É evidente que não. Eu sei, foi um exemplo absurdo, mas serve para compreendermos o espírito.
Portanto, entusiasmado cliente, devagar com o andor que o santo é de barro. A demanda que patrocino está longe de ser tosca como a do exemplo do Cristo Redentor, mas tudo passa pela valoração do magistrado; é tudo relativo, como falamos. A revelia da parte contrária não é sinônimo de vitória, ainda que, de novo relativamente, haja forte presunção favorável.
Nenhum comentário:
Postar um comentário