Transcorreu sem incidentes a primeira etapa do pleito eleitoral ontem, dia 02. Apesar das ameaças bolsonaristas não houve, ao menos não em escala digna de menção, tentativas de tumulto do processo eleitoral. Refiro-me explicitamente aos bolsonaristas porque parte deles a escalada de violência política, inicialmente retórica mas que não raro descamba para o plano prático, como no infame ataque à bala por um bolsonarista tresloucado contra a festa de aniversário de um petista. Emulam o chefe, Jair Bolsonaro. Não se vê — e qualquer um com um mínimo de boa-fé pode atestar — o discurso belicista sendo emanado pelo campo petista. Nas campanhas de Lula não se fala em ódio; o discurso, conciliador, é sempre tendente ao reencontro democrático do país. Novamente, se trata de mera observação que qualquer pessoa pode conferir com seus próprios olhos e ouvidos, desde que, naturalmente, não esteja ideologicamente cega. Nesse sentido é errônea a tese de "polarização odienta" afirmada por Ciro Gomes. Se um não quer, dois não brigam; apenas um dos lados, o bolsonarista, apela para a violência física contra os opositores.
Mas, prossigamos. Apesar dos bolsonaristas a eleição transcorreu com tranquilidade. Deveria ser assim, sem que isso causasse surpresa, em qualquer país democrático. Paixão e disputa acirrada fazem parte e são perfeitamente normais, e mais do que isso, saudáveis; estamos escolhendo os rumos do país, afinal de contas, em um mar de plataformas, ideologias e programas. Não é um debate que deva ser feito de forma lânguida e preguiçosa. Mas entusiasmo é uma coisa, violência outra bem diferente, e me reporto ao parágrafo anterior.
Sobre o resultado do pleito. A eleição de bancadas amplamente reacionárias é prova de nossa modernidade tardia. Ainda temos dificuldade em introjetar coisas como direitos humanos, ciência e outros valores iluministas. A alta votação de Jair Bolsonaro, ainda que atrás de Lula por cerca de seis milhões de votos, também se insere nisso. O nosso Estado dito Democrático & Social de Direito manqueja dolorosamente, a duras penas. Por isso mesmo é "dito" — há um enorme descompasso entre belas intenções constitucionais e a dureza da vida real. O rótulo não basta se não encontrar correspondência fática (pelo mesmo motivo falamos das liberdades clássicas como "formais", isto é, formas à espera do conteúdo propriamente).
Aguardemos o segundo turno. Há um sentimento de ambivalência; se por um lado a bancada eleita é reacionária, por outro a vantagem do campo democrático está muito à frente. Por sobre tudo paira um sentido de esperança, o sentimento, difuso que seja, de que as coisas melhorarão. Começando pela economia, a limpeza da imagem exterior do país e assim por diante. Que essa esperança não soçobre.
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