O racismo segue um tema pujante, e não poderia ser diferente — está no cerne da própria formação do país. O assunto na moda é a iniciativa do Magazine Luiza de abrir programa de trainee apenas para negros, medida de teor afirmativo mas que foi rapidamente atacado pelos obtusos de plantão, levando até mesmo a, pasmem, uma ação movida por defensor público da União contra a empresa por "marketing de lacração". A DPU enquanto instituição pulou fora, alegando a independência funcional de seus membros, mas além de ser um episódio sintomático o estrago já estava feito.
Episódio sintomático porque, sendo a sociedade brasileira racista, é evidente que seus braços (institucionais, políticos, econômicos etc.) vão, cedo ou tarde e em maior ou menor grau, deixar a nu esse racismo. A DPU não está livre disso. Na verdade, a própria forma de composição das carreiras da alta Administração — concursos elitizadíssimos e restritíssimos — propicia majoritariamente o ingresso de jovens das classes altas, trazendo consigo sua própria visão de mundo, conservadora, quando não abertamente reacionária, e avessa ou no mínimo pouco sensível às questões sociais da vida "aqui embaixo". A questão racial inclusive. Não quero generalizar e sobretudo não me refiro em particular ao dito defensor público da União irritado com a "lacração" do Magazine Luiza, cuja história de vida e mentalidade não conheço, mas o episódio se insere nessa moldura macro que falamos.
Vamos lá. Enquanto não houver na prática equiparação social e econômica entre brancos e negros, toda e qualquer ação afirmativa, pública ou do setor privado, é bem-vinda. Mais que isso, necessária. Brancos continuam recebendo 50% a mais do que negros no Brasil. Sim, meu filho, essa é a vida real. Como dizer que combater isso é "lacração"? "Vitimismo"? São séculos de chicotadas nas costas. Literalmente, como sabemos. E essas chagas estão abertas ainda.
Concluo com um depoimento pessoal. No início do mês eu "googleava" em busca de informações da história da família, algo como um mergulho arqueológico afetivo. Fui tão a fundo que cheguei ao "Diário do Rio de Janeiro" de 31 de outubro de 1871. Está tudo digitalizado nos grandes arquivos, façam um teste. Pois bem, havia na edição um obituário com a "relação de pessoas sepultadas nos cemitérios públicos e particulares, no dia 28 de Outubro de 1871". Tínhamos então Fulano de Tal, filho de Beltrano, morto disso, Sicrana filha de não-sei-quem morta daquilo outro e assim por diante. Ao fim da lista, vinha a informação: "Sepultaram-se mais 6 escravos". E só. Entendem? Não tinham nome, não tinham individualidade, constituíam uma única massa amorfa. É uma mácula histórica que seguirá assombrando a sociedade brasileira até que seja, um dia, devidamente reparada.
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