"O direito é criado pelo homem, é um produto tipicamente humano, um artifício sem entidade corporal, mas nem por isso menos real que as máquinas e os edifícios." - Gregorio Robles

8.2.13

Os estudantes "quadrilheiros" da USP

usp são paulo ensino educação ministério público

É com pesar que vejo o MP denunciar estudantes da USP por, dentre outros delitos, "formação de quadrilha" (sic), em razão dos protestos na reitoria da universidade no final de 2011 (notícias aqui, aqui). Temos observado com frequência esse fenômeno: a pauta sócio-política levada para a esfera policial. Por que as autoridades sentariam à mesa de debates, se é mais cômodo convocar o batalhão de choque? O manifestante, assim, fica reduzido a um marginal, e a luta organizada, a uma quadrilha. Poderão objetar que os estudantes, no episódio em tela, exorbitaram no protesto, fazendo jus a punição. Porém, além desse tipo de acusação ser discutível (o que é exatamente "exorbitar"?), às vezes não resta muita opção -quando a reivindicação é legítima- senão... exorbitar. Como diz Brecht em seu poema, o rio pode parecer violento, mas ninguém lembra da violência do leito que contém o rio ("Sobre a violência", aqui).

John Rawls, no seu clássico "Uma Teoria da Justiça" (UnB), define a desobediência civil como "um ato público, não-violento, consciente e, apesar disto, político contrário à lei, geralmente praticado com o intuito de promover uma modificação na lei ou práticas do governo". Podemos classificar assim a conduta dos estudantes no episódio -protestavam contra a presença de policiais armados no campus- e decerto um Estado Democrático de Direito não pune -ou não deveria punir- protestos desse jaez, ao contrário, como prossegue Rawls, "não há dúvida de que, num regime constitucional, os tribunais podem eventualmente apoiar os dissidentes e declarar a lei ou determinação questionada inconstitucional", obviamente.

A educação, conforme a Constituição, é um direito social (caput do art. 6º), direito de todos e dever do Estado (art. 205), coisa que, no ensino superior, tem tanta relevância que às universidades é dada autonomia (art. 207). Tal direito fundamental deve receber interpretação ampla: não consiste apenas no acesso a professores e material didático, por exemplo; rejeitar a presença de policiais armados (ou de quaisquer agentes, públicos ou privados, que não possuam pertinência com a atividade-fim da universidade) no campus é legítimo e faz parte da luta pela efetividade do direito à educação. Foi exatamente o que os alunos "marginais" fizeram- e agora pagam o preço.

Se houve dano ao patrimônio público, como alega o MP, mais dano é causado pelos governos que reiteradamente sucateiam as instituições de ensino estatais. O MP, cuja função constitucional é a "defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis" (art. 127, CRFB/88) deveria atentar a isso e, não, simplesmente, avançar voraz sobre o lado mais fraco.

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