"O direito é criado pelo homem, é um produto tipicamente humano, um artifício sem entidade corporal, mas nem por isso menos real que as máquinas e os edifícios." - Gregorio Robles

31.3.23

De imunidades tributárias e seus desvios

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O instituto da "imunidade tributária" parece albergar uma injustiça flagrante. Por que diabos igrejas, sindicatos e partidos têm direito ao benefício? É assim que dispõe o art. 150 da Constituição:

Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[...]
VI - instituir impostos sobre:
[...]
b) templos de qualquer culto;
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;
[...]
§ 4º As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.

Como assim? Injusto que haja essa proteção!

Mas essa é apenas uma impressão inicial. Basta que pensemos um pouco para compreender o objetivo do constituinte ao instituir tal trato diferenciado: a proteção de valores democráticos e de liberdades fundamentais. Afinal, igrejas, partidos e sindicatos desempenham evidente função social. Nesse sentido, precisam de ferramentas protetivas para que possam ter a sua sobrevivência assegurada. A imunidade tributária é uma dessas ferramentas: protege tais entidades de eventuais abusos e perseguições estatais, protegendo-as, também, de dificuldades materiais decorrentes das exações. Sabemos que não basta uma garantia meramente formal; são necessários meios materiais para que tais garantias sejam exercidas. Adianta falar que há liberdade de culto, por exemplo, se o peso das obrigações tributárias impede templos e igrejas de manterem portas abertas? Seria uma liberdade meramente protocolar, "em tese". É preciso dar materialidade. 

Fica claro, portanto, o objetivo do constituinte ao garantir imunidade tributária para entes que, pela sua importância social, devam ter sua existência garantida. O objetivo é que possam existir, funcionar, estar atuantes — desempenham função social e nisso devem ser protegidos.

E ficamos nisso. Não se pode ir além.

Aonde quero chegar?

No fato de que não se pode exorbitar o objetivo constitucional. Não é finalidade da imunidade proteger lucros, vantagens e benesses econômicas. Igrejas, sindicatos e partidos não têm finalidade econômica. Não são empreendimentos empresariais milionários. 

Não são? Entendem aonde quero chegar? Para bom entendedor ponto é letra, diz o ditado.

É que a PEC nº 05/2023, de iniciativa do deputado Marcelo Crivella (Republicanos), quer acrescentar o seguinte parágrafo ao art. 150 transcrito acima:

§ 4º-A Para efeito do disposto no § 4º, compreende-se como abrangida pela vedação a aquisição de bens e serviços necessários à formação do patrimônio, à geração de renda e à prestação de serviços.

Ou seja, quer ampliar a imunidade tributária dos aludidos entes. Para mim não faz sentido ampliar tal proteção para além do objetivo elementar do constituinte (isto é, o de garantir a existência). Cria-se um desvio evidente. Sobretudo no caso das igrejas: formação de patrimônio, geração de renda, como assim? É religião ou negócios?

Para bom entendedor... 

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