Causa espécie a participação de candidatos sem a menor densidade eleitoral em debates de televisão. Pessoas com traço na pesquisas mas que, inexplicavelmente, são convidados pelas emissoras. Por que isso? A razão é bem simples: a legislação eleitoral assim prevê. É como diz o art. 46 da lei 9.504, que estabelece normas para as eleições:
Art. 46. Independentemente da veiculação de propaganda eleitoral gratuita no horário definido nesta Lei, é facultada a transmissão por emissora de rádio ou televisão de debates sobre as eleições majoritária ou proporcional, assegurada a participação de candidatos dos partidos com representação no Congresso Nacional, de, no mínimo, cinco parlamentares, e facultada a dos demais (...)
O grifo meu. Como se vê, basta que o partido tenha cinco parlamentares para que tenha assegurada sua participação no debate, independentemente do desempenho de seu candidato nas pesquisas do pleito. É uma regra menos permissiva que a redação original do artigo, que exigia apenas "representação na Câmara dos Deputados", sem especificar quantidade, mas mais tolerante que a redação anterior, que exigia "representação superior a nove Deputados". Hoje fala-se também em representação no Congresso, o que inclui senadores (e não apenas deputados).
Pois bem. Nossa democracia é de classe — ou seja, é ditada pelos interesses dos grupos dominantes —, limitada, imperfeita e frágil. Nada obstante é, como dizia Einstein se referindo à ciência de nosso tempo, a coisa mais valiosa que possuímos. Nesse sentido deve ser protegida, defeituosa que seja, de quaisquer tentativas de reduzi-la ainda mais. A questão da participação em debates se insere nesse contexto. É tentador, diante dos picaretas sem nenhuma relevância eleitoral, defender que sejam excluídos do debate — afinal, importam mesmo os primeiros colocados nas pesquisas, os demais sendo meros coadjuvantes. Contudo a exclusão de debates é sempre medida antidemocrática. Garantir acesso apenas aos melhores colocados exclui pautas, programas e projetos que, se pontuam pouco, sem a participação nos debates desapareceriam de vez. Isso não parece bom. "Que cem flores desabrochem, que cem escolas rivalizem", não era assim que dizia Mao Tsé-Tung? Nessa toada, acredito que a participação em debates deveria ser assegurada a todas as candidaturas registradas, independentemente de desempenho eleitoral. Isso daria palco para muitos picaretas, é verdade, mas também para plataformas legítimas. O justo não pode pagar pelo pecador, afinal de contas.
Um tópico importante, que talvez mereça desenvolvimento à parte, é a questão da quantidade de partidos políticos. Excesso de siglas não significa diversidade de ideologias, é verdade. Pelo contrário, todos os partidos do infame "centrão", por exemplo, poderiam trocar de nomes entre si ou se amalgamar sem que isso rigorosamente nenhuma diferença fizesse no quesito programático — caso tivessem programa, naturalmente. É uma coisa que a legislação eleitoral precisa enfrentar cedo ou tarde. O ponto que defendo, em síntese, é a garantia de acesso, ampla e igualitária, das plataformas programáticas e ideológicas ao debate televisivo. Ainda que isso implique em convidar picaretas com zero nas pesquisas.
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