Luiz Fux enfim tomou posse na presidência do Supremo Tribunal Federal, como já comentávamos aqui. Abaixo estou disponibilizando seu discurso de posse, cuja fonte é esta. Vou tecer a seguir alguns comentários acerca da fala.
Após o início em que sobejaram referências literárias — de Adélia Prado a Manoel de Barros, passando por Euclides da Cunha a Guimarães Rosa —, o ministro foca na defesa da Constituição, da qual poeticamente diz ser "atemporal sem ser anacrônica, ora se preservando, ora se ressignificando para garantir estabilidade à vida impermanente", e na da democracia, que "não é silêncio, mas voz ativa". No ponto o ministro destaca o papel do STF como "árbitro dos conflitos constitucionais" e cita decisões da corte que contribuíram para o "aprimoramento do sistema republicano" — por exemplo a vedação ao nepotismo e a constitucionalidade da lei da ficha limpa — e para a "garantia das liberdades individuais e na promoção da igualdade material", dando como exemplo no caso o "resgate de identidades historicamente vulneráveis" nas ações afirmativas "em prol das minorias étnicas", a legitimação das uniões estáveis homoafetivas e o rechaço da transfobia e da homofobia.
Passou a falar então na judicialização dos conflitos sociais, culpa — ainda segundo o discurso — dos "grupos de poder que não desejam arcar com as consequências de suas próprias decisões" e que portanto "acabam por permitir a transferência voluntária e prematura de conflitos de natureza política para o Poder Judiciário", o que acaba expondo o Judiciário "a um protagonismo deletério". Conclui conclamando por um "basta na judicialização vulgar e epidêmica de temas e conflitos em que a decisão política deva reinar". Esse ponto merece destaque. É mesmo traço do neoconstitucionalismo ("constitucionalismo contemporâneo") essa primazia do Judiciário. Há um lado bom e um lado ruim (como tudo na vida, afinal). O Humberto Ávila tem um pequeno e já clássico texto apontando as deficiências desse paradigma constitucional. Penso que é preciso um equilíbrio — de novo, como em tudo na vida —, preservando-se na medida do possível a higidez da tripartição.
O ministro prossegue seu discurso destacando que tem por objetivo "preservar a dignidade da jurisdição constitucional" e garantir a independência do Judiciário para "proferir decisões exemplares para a proteção das minorias, da liberdade de expressão e de imprensa, para a preservação da nossa democracia e do sistema republicano de governo". Conclui a primeira parte do discurso insistindo no combate à corrupção e fazendo menções elogiosas ao Mensalão e à Lava Jato.
A segunda parte é o plano de gestão propriamente.
São apresentados cinco eixos de atuação. São eles, conforme discriminado no discurso: 1) a proteção dos direitos humanos e do meio ambiente; 2) a garantia da segurança jurídica conducente à otimização do ambiente de negócios no Brasil; 3) o combate à corrupção, ao crime organizado e à lavagem de dinheiro, com a consequente recuperação de ativos, 4) o incentivo ao acesso à justiça digital, e 5) o fortalecimento da vocação constitucional do Supremo Tribunal Federal. Todos esses eixos, afirma o discurso, encontram-se alinhados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas. O ministro diz ainda pretender a criação de um "Observatório de Direitos Humanos" com a participação da sociedade civil, buscando ainda a "redução do número de ações que chegam desnecessariamente" ao tribunal e "reposicionar cada vez mais o STF como uma corte eminentemente constitucional". Bate na tecla da busca por inovações tecnológicas — com a criação por exemplo de "juízos 100% digitais, em que todos os atos processuais serão realizados de forma eletrônica e remota e com juízes acessíveis a todos os jurisdicionados, sem a necessidade de uma estrutura física para o seu suporte".
As partes 3 e 4 são dedicadas a agradecimentos e a quinta a considerações finais, e não têm relevância aqui.
Bem, um comentário. É ótimo que Fux destaque pautas como sustentabilidade, meio ambiente e direitos das minorias. Por outro lado, seu lavajatismo é preocupante — afinal o lavajatismo é o contrário do que deveria ser o combate à corrupção nos marcos do direito penal e processual penal de um Estado Democrático e Social de Direito. As revelações do "The Intercept Brasil" deixaram isso a nu. Muito tem sido escrito a respeito. Vale a pena ler por exemplo o Livro das Suspeições, coordenado por Lenio Streck e Marco Aurélio de Carvalho. E sobre a incensada "ficha limpa", em 2012 eu escrevi um texto a propósito e me reporto a ele.
Outra coisa. Desnecessário dizer que daqui pra frente caminhamos cada vez mais para a informatização, e os meses de trabalho remoto sob a pandemia são uma amostra disso. Mas tenho dúvidas se essa virtualidade integral é razoável. Os problemas velhos de guerra se mantêm, por mais que estejamos com a cabeça no futuro: internet deficitária, partes e advogados sem acesso a equipamentos adequados e assim por diante. E além disso, há que ponderar se o trato eletrônico impessoal pode substituir o contato direto do juiz com as partes.
São tempos de incógnitas. Não estamos alegres, mas por que haveríamos de estar tristes? É um poema de Maiakóvski. Ei, que desânimo é esse? Já é setembro, o estranho 2020 está quase nos estertores.
Luiz Fux - discurso de posse na presidência do STF |
Nenhum comentário:
Postar um comentário