"O direito é criado pelo homem, é um produto tipicamente humano, um artifício sem entidade corporal, mas nem por isso menos real que as máquinas e os edifícios." - Gregorio Robles

18.5.20

Por uma educação jurídica mais acessível

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Estava assistindo Homem-Aranha 3 com meu filho na Netflix neste fim de semana. A cena do primeiro encontro entre o heroi aracnídeo e o Homem-Areia deixou o moleque desconcertado: como o vilão disse que não queria ferir o Aranha, se ele, vilão, é "do mal"? E vilões ferem pessoas. Subitamente me vi diante de um profundo tema filosófico e pensei em como colocá-lo de forma simples. Acabei explicando que nem sempre os vilões são totalmente maus. Às vezes querem ser bons, outras são maus apenas pelas circunstâncias e assim por diante. Não sei se fui feliz em satisfazer a curiosidade infantil, mas em todo caso as cenas de luta rapidamente lhe tomaram a atenção e voltamos ao filme.

Nós que somos pais estamos sempre sujeitos a esses momentos de inquirição por parte dos filhos. A fase do "por quê?" nos deixa de cabelos em pé. Me diz por que que o céu é azul, como na música da Legião Urbana, essas e outras questões de uma simplicidade tal que nos ocorre que, simplesmente, nunca nos preocupamos em conhecer a resposta. Levamos a vida inteira no piloto automático. É isso porque sim, sempre foi; até quem venham nossos filhos e perguntem, "por quê?". E eis o instigante desafio de (re)formular conceitos, ideias, noções, convertê-los em uma linguagem acessível- e nada indica que pare por aí, porque da explicação pode vir (e em regra vem!) o pedido de explicação da explicação. Acho isso bonito e poético: vamos ressignificando nossos introjetados conceitos mediante provocações infantis. Lembro agora Oswald de Andrade: Aprendi com meu filho de dez anos/ Que a poesia é a descoberta/ Das coisas que eu nunca vi.

Também o Direito precisa ser reduzido, vertido, a uma linguagem acessível. Quanto mais hermético mais distante da vida social, e isso nada mais significa que obsolescência do Direito: torna-se inútil, afinal, porque ele existe justamente para a vida social. E não o contrário. O Direito como organização da vida social é, de forma precisa, a definição de Clóvis Beviláqua (leia-se seus "Escritos esparsos", organizados por Calheiros Bomfim). Ora, que dizer de uma sociedade que não conhece aquilo que lhe organiza? Um rebanho ou manada, decerto, mas não um agrupamento de seres racionais.

Quanto mais próximos da, digamos, ponta da cadeia jurídica mais percebemos o problema do hermetismo do Direito. Colei grau em 2002 e sou advogado desde então- ao longo da minha carreira em inúmeras vezes senti na pele a dificuldade de fazer o cliente compreender o significado de algum andamento processual ou de alguma decisão. É evidente que o maior ou menor grau de instrução formal influi nisso; mas somos o país em que mais da metade dos brasileiros de 25 anos ou mais não concluiu a educação básica (dados de 2018, vide aqui). O Sistema de Justiça de um Estado dito Democrático e Social de Direito deveria estar sensível a isso.

Os excelentíssimos doutores dos tribunais superiores, enquanto isso, vão flanando pedantes. Penso que o CNJ, que já tem tantas boas iniciativas como o Justiça Presente, poderia envidar esforços nisto: a facilitação do acesso do cidadão comum ao Direito. Veja-se então que não me refiro apenas ao acesso ao Judiciário, mediante o fortalecimento das Defensorias Públicas e a ampliação dos Juizados Especiais, por exemplo; mas sim ao próprio aspecto educacional da coisa. A Constituição deveria ser distribuídas às mancheias pelas escolas deste país. Não falo em colocar uma carteira de advogado na mão de cada um. Pelo contrário, penso como Lenio Streck que o Direito enquanto prática é coisa séria e requer estudo (assim como a medicina e a engenharia não podem ser exercidas por leigos por imperativos cruciais de segurança). Mas isso não impede a formação de uma cultura jurídica na população desde os bancos escolares, coisa que deveria ser considerada inerente à própria cidadania. O Ministério da Educação deve participar disso também, ainda que do "imprecionante" MEC de Bolsonaro não devamos esperar muita coisa.

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