"O direito é criado pelo homem, é um produto tipicamente humano, um artifício sem entidade corporal, mas nem por isso menos real que as máquinas e os edifícios." - Gregorio Robles

14.5.20

Isso de trabalhar em casa


Desde que graças à pandemia as medidas de isolamento social foram adotadas, o "teletrabalho" (home office ou o nome que se queira dar) entrou na ordem do dia. Seus defensores e detratores têm se digladiado desde então. Se nunca foi novidade (a lei 12.551, que alterou o art. 6º da CLT, dispõe que "não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância"), por outro lado nunca foi tão exigido, massificado e implementado. Como todo fenômeno da vida social, é uma questão multifacetada: há pontos bons e ruins.

Comecemos pelo lado bom. Antes de tudo é preciso limpar terreno e dizer que, diante da pandemia, antes de ser uma opção o home office é uma necessidade imperiosa. Não há outro jeito, afinal, de impedir -ou ao menos retardar- a propagação do famigerado coronavírus. Na Europa já se começa a relaxar restrições, mas essa não é ainda a realidade brasileira. Quanto mais as pessoas ficarem em casa, melhor. Isso implica realizar o máximo possível de atividades dentro do sacrossanto lar, o trabalho inclusive- não é questão de escolha, portanto. Empresas precisam estar em funcionamento, salários e renda precisam circular etc., de modo que simplesmente "fechar para balanço" até o dia em que sabe Deus quando a covid esteja controlada não é uma opção dada. Superado o ponto, quais são os aspectos positivos do trabalho em casa? A redução na circulação de pessoas nos centros urbanos é um deles, mesmo que fora do contexto de isolamento social anti-pandemia. É uma questão ecológica evidente: menos veículos emissores de gases e consequentemente menos tráfego, menos poluição sonora, uma menor demanda em face dos serviços públicos (como o de limpeza e de transporte) e assim por diante. O home office permite ainda que o trabalhador passe mais tempo com a família e, por estar no próprio ambiente doméstico, em uma situação de conforto e satisfação pessoal que não encontraria nos ambientes tóxicos de disputa no mundo cão corporativo. Permite, ainda, que se faça o próprio horário sem a obrigação do "bater ponto" e afinal há de fato muitas atividades que prescindem dos rigores formais da jornada de 9 às 17, sobretudo as no campo da criação.

Deixemos de lado a leitura poliana da coisa. Por que o home office pode ser ruim, muito ruim? Penso que as condições materiais básicas são a primeira e mais óbvia barreira, e por elas quero falar em aparelhos (notebooks, tablets etc.) funcionais e atualizados, boas conexões de rede (a internet brasileira segue uma das piores do mundo apesar de melhorar nos últimos anos) e local adequado com mesa e boa iluminação, por exemplo. Não é a realidade de muitos trabalhadores por esse país afora. Como fazer, irão os empregadores disponibilizar tais utilitários? Em caso afirmativo, com abatimento no salário, é isso? E há mais. Ao lado da estrutura material, há o fator humano: afinal o home office demanda conhecimento de plataformas, softwares, aplicativos e todo um cabedal de conhecimento informático. Novamente, é essa a realidade do trabalhador brasileiro padrão? Os empregadores precisam fornecer treinamento e reciclagem, conforme o caso. Ainda que seja assim em muitos lugares, a velocidade de disseminação do coronavírus levou a um abrupto isolamento, que não permitiu sequer que as pessoas se preparassem. Isso parece não importar, e eis o pobre empregado subitamente colocado diante de tecnologias que não domina sob a pressão de se manter produtivo enquanto lá fora os corpos de acumulam. Não é exagero: enquanto escrevo, já são 188.974 casos confirmados e 13.149 mortes no Brasil.

A roda da História não para e acredito no progresso. Já falei muito disso no blog. Um progresso não retilíneo e sim em espiral e hesitante, mas isso é outra conversa. O teletrabalho tem todo o jeitão de futuro. Mas para que o seja, realmente, precisa estar dentro de um contexto diferente, em uma economia humanista e social. Caso contrário é a exploração velha de guerra desde que o homem é homem.

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