Apesar dos sinais que vinham do exterior -os primeiros casos foram reportados ainda na China em dezembro de 2019 e foi uma expansão monumental desde então, até que a OMS decretou o status de pandemia em 11 de março- o fato é que o Brasil não se preparou para o coronavírus. A confusão reinou desde os primeiros dias: nem empresas privadas nem órgãos públicos (nas três esferas) sabiam exatamente como proceder, e a postura negacionista do governo federal bolsonarista ainda tornava tudo pior- como esquecer o infame pronunciamento da gripezinha? Como sói acontecer, é a base da cadeia, os trabalhadores públicos e privados, as grandes vítimas da balbúrdia institucional.
Por exemplo o Judiciário bateu e tem batido muita cabeça. Em momentos de crise como este é oportuno refletir se a autonomia quase absoluta de cada tribunal de per si é desejável do ponto de vista da higidez de um sistema estatal que almeja estabilidade e harmonia. Vejam: além do Supremo Tribunal Federal, são 27 Tribunais de Justiça Estaduais (TJs), 5 Tribunais Regionais Federais (TRFs), 24 Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs), 27 Tribunais Regionais Eleitorais (TREs), 3 Tribunais de Justiça Militar Estaduais (TJMs), o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Tribunal Superior do Trabalho (TST), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Superior Tribunal Militar (STM), conforme elencado pelo Conselho Nacional de Justiça em seu "Justiça em Números 2019".
São todos órgãos do Poder Judiciário (art. 92 da Constituição), o qual, independente que é, ainda que harmônico, em relação aos demais Poderes (art. 2º, idem), tem autonomia administrativa e organizacional (art. 96, idem). Isso quer dizer que em uma situação como a presente cada tribunal pode dizer como, se, quando e em que condições funcionará- ainda que seus colegas, o trabalhista e federal, por exemplo- estejam fazendo de forma diferente. Caberá ao advogado se desdobrar para acompanhar a mais recente portaria, resolução, ato normativo etc. exarado -pelo Corregedor, pelo Presidente, pelo Órgão Especial etc.- para saber o quê efetivamente está vigorando naquele momento. Isso é muito sério sobretudo porque a prática forense está calcada em prazos. Um único dia perdido e, voilà!, eis um ato precluso, eis um recurso intempestivo. Os advogados "artesãos do social", na poética definição de Eros Grau, aqueles da labuta da advocacia diária, sabem a loucura que tem sido nas últimas semanas.
Há o CNJ, decerto, que busca colocar ordem na casa em meio à cacofonia. Por enquanto vigora sua Resolução nº 318, que dentre outras coisas mantém a suspensão dos prazos até o dia 31 de maio. Por enquanto, porque ela própria prorroga outras duas resoluções anteriores, em meio a uma pletora de outros atos normativos, como pode ser consultado no sítio do Conselho. É importante que haja essa centralização e que venha rápido. Mas incidem aqui algumas observações que não podemos descurar: o CNJ tem limites constitucionais claros e, em minha opinião, padece de uma resistência crônica -ainda que sutil ou no plano simbólico ou psicológico- por parte dos demais órgãos do Judiciário. O tal do "controle externo" nunca caiu bem e esses aspectos da Reforma do Judiciário chegaram a ser combatidos judicialmente por entidades de classe da magistratura. Diga-se a propósito que de "externo" não tem nada, haja vista que de 15 conselheiros 9 são da própria magistratura, conforme os critérios de composição do art. 103-B. Como quer que seja, o CNJ sempre foi alvo de certa hostilidade.
O jurisdicionado precisa de regras claras. No contexto de pandemia global em que vivemos, por exemplo, saber que não funcionará do dia tal até o dia tal e pronto- de forma clara e não criptografada ou aleatória. Dando um testemunho pessoal, cheguei a ter uma sessão de julgamento adiada por duas vezes ao longo destas semanas. Com publicação no Diário da Justiça e tudo, apenas para posterior adiamento. Qual o intuito disso, exceto alvoraçar advogados e partes? Mesmo a lógica eficientista, a de querer mostrar produtividade a todo custo ainda que em tempos de pandemia, não faz o menor sentido aqui. Ao contrário, as idas e vindas apenas geram dispêndio pessoal e econômico.
Voltando ao início, não tivemos tempo de nos preparar. A pandemia é fato excepcional que está testando (e quebrando) muitos de nossos paradigmas diários. Espero que doravante nossa capacidade de resposta seja melhor e desenvolvamos protocolos melhores, do ponto de vista institucional e das organizações da sociedade civil. Não que precisemos tocar a vida como se estivéssemos esperando um terremoto, uma guerra ou um vírus novo em cada esquina, mas formatos mais ágeis e responsivos devem ser a meta. Tem a ver com o princípio da eficiência administrativo. O coronavírus tem testado essa eficiência como nunca.
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