"O direito é criado pelo homem, é um produto tipicamente humano, um artifício sem entidade corporal, mas nem por isso menos real que as máquinas e os edifícios." - Gregorio Robles

23.1.17

Direitos da personalidade e "ressurreição digital"


Em meu perfil no Facebook fiz o seguinte comentário, acerca desta matéria:

Abstraindo o aspecto mercadológico (o capitalismo suga os trabalhadores em vida, não é de se espantar que continue a fazê-lo na morte), entendo que a "ressurreição digital" suscita ao menos duas questões de ordem filosófica: a) A ofensa ao direito à morte. O expediente é um forma compulsória de nos "manter" aqui, à nossa revelia (na ausência de uma disposição expressa de vontade); b) A imortalidade por meio de nosso trabalho. O artista -por extensão qualquer pessoa- não precisa sair de cena (no caso dos artistas literalmente) pela extinção física. Ainda que digitalmente, se faz presente. É perturbador (no mínimo incômodo), porém, imaginar a inclusão digital da avó falecida na foto de natal da família.

Colocando em termos estritamente jurídicos, essa "imortalidade" eletrônica tem relação com os direitos da personalidade, que na legislação brasileira têm guarida nos artigos 11 a 21 do Código Civil, e, em particular, com o direito de imagem, textualmente citado no artigo 5º da Carta:

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Evidentemente, quando o art. 11 do CC diz que "com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária", não encontra correspondência fática. Pelo contrário, direitos da personalidade são amplamente negociáveis por aí -intimidade, vida privada etc.- com ampla aceitabilidade social. A raiz da questão está nisto: a necessidade de expressa anuência (evidentemente desde que não haja violação da ordem pública, mas isso é óbvio).

E o artista falecido? Pode continuar "atuando" após sua morte? Havendo previsão contratual, creio que sim, mas há todos os incômodos éticos que apontei acima. Os herdeiros podem negociar a atuação post mortem do artista? Mas se os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, como admitir que outrem os negociem?

Parece ficção científica. Que a Força esteja conosco.