"O direito é criado pelo homem, é um produto tipicamente humano, um artifício sem entidade corporal, mas nem por isso menos real que as máquinas e os edifícios." - Gregorio Robles

18.5.21

Judiciário e a fria lógica dos números

judiciário cnj conselho superior de justiça constituição brasil

Leio o texto "Congestionamento processual: uma medida pelo tempo", da lavra de Marcos Antonio de Souza Silva, na edição jul/dez de 2020 da Revista CNJ. Ficarei devendo o link; baixei o arquivo mas não salvei a fonte, em todo caso os interessados podem procurar diretamente no portal do Conselho. Bom portal, inclusive: em sintonia com o constitucionalismo contemporâneo (neoconstitucionalismo), para o bem e para o mal, o CNJ aborda uma pletora de assuntos.

Sobre o texto. Trata-se da análise e proposta de melhorias da chamada "taxa de congestionamento processual", critério utilizado pelo CNJ para aferir a produtividade dos órgãos judiciais. E dá-lhe contas e estatísticas (o articulista é especialista em estatística e mestre em matemática, conforme o breve currículo no texto). O cerne da minha preocupação está exatamente aqui: é óbvio que devemos buscar eficiência para a máquina judiciária, e é o que se espera do CNJ, a quem compete "o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes" (art. 103-B, §4º da Carta). Justiça atrasada não é justiça, disse Rui Barbosa. Serventias não podem dar de ombros para as solicitações das partes sob o argumento de que estão assoberbadas. Mais do que isso, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação são direitos fundamentais (art. 5º, LXXVIII, idem). É preciso dar um jeito no tal congestionamento, portanto.

Mas não se pode tratar a prestação da tutela jurisdicional à base de números, como se fosse a entrega de algum serviço qualquer, visto sob a ótica privatística. Toda demanda judicial envolve, em maior ou menor grau, um drama da vida. O problema da lógica estatística é perder de vista essa dimensão humana. Descongestionemos as varas, pois; mas isso significa arquivamentos às carradas? Na fria mentalidade dos números vai tudo bem, obrigado. Mas e o tensionamento social subjacente? Fez-se justiça aqui ou apenas arquivou-se mais um número?

Nessa toada sempre me causaram estranheza os certificados que vemos expostos nos murais de certas varas, "Prêmio isso", "ISO aquilo" e assim por diante. É uma serventia judicial ou uma sucursal do McDonald's? É a régua do eficientismo privado que vai balizar a atuação do Poder Judiciário? Isso é sintoma, sabemos bem, da mentalidade neoliberal que se espraia há anos feito um câncer sobre a Administração.

Há que recuperar a dimensão social das coisas. Eficiência matemática, sem humanidade, é uma distopia robótica. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário