"O direito é criado pelo homem, é um produto tipicamente humano, um artifício sem entidade corporal, mas nem por isso menos real que as máquinas e os edifícios." - Gregorio Robles

9.8.19

Mentes engessadas contra os espíritos dos novos tempos


O NCPC veio até com atraso mas antes tarde do que nunca; algo do libertas quæ sera tamen dos mineiros. NCPC, o novo Código de Processo Civil, bem entendido, ainda que já nem tão novo- é de março de 2015, já tem quase meia década de vida. Antes tarde do que nunca porque trouxe (ou apenas positivou no seu texto e isso já é ótimo) conceitos, ideias, todo um espírito processualístico moderno. E isso demorava a acontecer, já que o Código Buzaid -o finado CPC- é de 1973, eu sequer era nascido.

Falei em espírito acima. Como o espectro que ronda a Europa do manifesto engels-marxiano, o do Novo Processo Civil (em maiúsculas) também assola as serventias, cartórios e escritórios pelo país. Ele não precisa estar "escrito". Paira no ar (é um espectro!, afinal, uma assombração imaterial), e cutuca as consciências dogmáticas e engessadas da prática forense cotidiana. Os bobalhões se insurgem, "o artigo tal da lei tal etc. e tal não prevê isso e tal", mas sem cedermos ao indeterminismo, que é efeito colateral do neoconstitucionalismo, podemos e devemos nos abrir aos eflúvios espectrais desse novo espírito processualístico.

Ai de mim, mas como há resistência. Recordo vivamente de quando eu lia "Reconstruindo a Teoria Geral do Processo" (org. Freddie Didier Jr., JusPodivm, 2012), um livrinho pequeno mas de alta densidade científica. Não sei se é pedido, mas faria bonito em qualquer banca de pós-graduação do país. Pois bem, eis-me encantado com tantas ideias, tantas formulações para a reconstrução do Processo, embebido do que há de mais avançado no "estado da arte"; para, diante de um problema prático em determinada secretaria de Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ouvir da serventuária solícita: "deixa pra lá, doutor". Com mil diabos. Para que tantas perorações lindas de morrer na Academia se o cotidiano forense -de serventuários a magistrados- se resolve no "deixar pra lá"?

Desafios, "travessias", como encerra Guimarães Rosa seu magistral "Grande sertão: veredas". É nesse tom que a imagem que escolhi para o post foi "Lawyer Going to Court" de Thomas Couture (c. 1860), retratando o causídico, carregado de autos e alfarrábios, em sua solitária caminhada rumo ao tribunal.