Leio este texto, acerca da regulamentação da profissão de músico- precisamente se a necessidade de filiação à OMB (Ordem dos Músicos do Brasil) e suas exigências ferem o direito à expressão artística, espécie do gênero liberdade de expressão. Reporto o leitor ao próprio texto, para que conheça a fundamentação e conclusão da articulista. Gostaria de minha parte de fazer os comentários abaixo.
Entendo que há duas abordagens que se chocam aqui ou, talvez, que se complementam. A mais óbvia é a da arte como manifestação criativa do espírito, e portanto insuscetível de ser presa da burocracia. Toda ditadura tenta, mas cercear o gênio criador é impossível, afinal "esta coisa que se chama alma pretende-se que não morre jamais, e que vive sempre e busca sempre mais e mais e ainda mais"*. Dito isso, é uma bobagem que haja uma "Ordem" de músicos, de poetas, de escritores etc., como se fosse possível regulamentar a criação artística.
Mas há outra abordagem aqui, qual seja, a da arte enquanto profissão. Já pisamos aqui no solo pragmático da vida real e suas necessidades: pagar o aluguel, comer etc. O artista visto como profissional: alguém que produz arte visando sua própria subsistência. Já então não cabe lamentavelmente o romantismo da arte pela arte- vivemos em uma economia capitalista, afinal, onde direitos fundamentais são tratados como mercadoria e portanto acessíveis apenas a quem possa pagar. Nesse sentido, a arte como profissão precisa ser regulamentada como tal, em prol de seus profissionais. É preciso pensar em coisas como salário mínimo, carga horária e seguridade, por exemplo, mesmo porque muitos artistas nada mais são que empregados de estruturas maiores.
Eis a clivagem. Arte-livre ou arte-profissão? Creio que a voluntariedade é a síntese dialética do problema. Isto é, deve ser garantida a opção, a facultatividade da escolha pela inscrição em uma Ordem, com todos seus bônus e ônus. Diferentemente do advogado, por exemplo, com inscrição compulsória no órgão de classe (art. 8º e seguintes da lei 8.906/94), ao artista deve ser dada a possibilidade de escolha, não podendo "Ordem" alguma interferir em sua atividade caso assim não queira (há evidentemente limites regulados pela legislação civil -e penal, conforme o caso-, mas isso é outra coisa).
Creio que seja o entendimento mais razoável. Aliás, mui a propósito, a Advocacia também é a seu modo uma forma de arte, não dizem? Daí Eros Grau falar em advogado "artesão do social"...
A imagem do texto é "The Musicians" por Adolphe Alexandre Lesrel (1839-1929).
* Carta de Van Gogh a Théo, julho de 1880. Utilizo a edição da L&PM, 2008, trad. Pierre Ruprecht.