O tema da cobrança de mensalidades em universidades públicas nunca sai de moda. Podemos nos debruçar sobre a PEC 206/2019, que "dá nova redação ao art. 206, inciso IV, e acrescenta § 3º ao art. 207, ambos da Constituição Federal, para dispor sobre a cobrança de mensalidade pelas universidades públicas".
As instituições públicas de ensino superior devem cobrar mensalidades, cujos recursos devem ser geridos para o próprio custeio, garantindo-se a gratuidade àqueles que não tiverem recursos suficientes, mediante comissão de avaliação da própria instituição e respeitados os valores mínimo e máximo definidos pelo órgão ministerial do Poder Executivo.
Eu sou contra isso e passo a explicar.
A educação é um direito social, elencado textualmente no art. 6º da Constituição. Como tal, integra os direitos fundamentais e, ato contínuo, é cláusula pétrea e portanto são vedadas propostas tendentes a dificultar-lhe o acesso. Dado que: a) ainda que a Constituição sobre as cláusulas pétreas fale em "direitos e garantias individuais", isso deve ser compreendido dentro do processo de avolumamento dos direitos humanos (ou fundamentais). Não há diferença "ontológica" entre direitos de 1ª dimensão, as liberdades clássicas, e os de 2ª dimensão, os direitos sociais. A diferença é cronológica e quanto à maior ou menor necessidade de participação do Estado para sua efetivação. Os direitos fundamentais fazem um grande "bolo", que vai ganhando mais massa conforme o avanço civilizatório. De modo que a cláusula pétrea diz respeito, com a vênia das opiniões discordantes, ao direitos fundamentais lato sensu; b) a imposição de mensalidades para a prestação de um serviço — o fornecimento do ensino — até então público é, com certeza, dificultá-lo, tornar seu exercício mais penoso etc. Há um retrocesso; ofensa à petricidade da cláusula. Direitos fundamentais podem ser mexidos para melhor, por exemplo tornando gratuito o que era pago. Mas não o contrário.
Mas não é só. Ao dizer que as universidades "devem" cobrar mensalidades e "onde" será aplicado o recurso haurido, a PEC ofende a autonomia universitária prevista constitucionalmente:
Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
Tem mais. Quais são os critérios para definir quem tem condições de pagar? É preciso objetividade. Falo aqui pensando, graças à minha experiência prática na Advocacia, na concessão de gratuidade de justiça pelo tribunais país afora. Que complicação! A rigor bastaria a declaração de hipossuficiência, mas suas excelências pedem imposto de renda e comprovante de rendimentos, por exemplo, o que não é em absoluto retrato fiel da situação econômica da pessoa. Falei disso no tópico Da mercantilização do acesso ao Judiciário. Como nem todas as varas têm o mesmo rigor, acaba que quem tem não paga, quem não tem paga e eis mais iniquidades judiciárias. Penso que o mesmo problema ocorreria caso se implantasse cobrança em universidades públicas.
Evidentemente, a questão do acesso à universidade pública e sua manutenção tem problemas que dizem respeito à desigualdade social brasileira. Não creio, como sustento acima, que a cobrança de mensalidades seja correto; mas é necessário pensar, enquanto sociedade, em tais problemas. Tratarei disso nos próximos posts.
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