O julgamento da ADPF 347-DF, relatada por Marco Aurélio e com acórdão em setembro de 2015, é um clássico. Nela o Supremo Tribunal Federal deliberou sobre a existência do estado de coisas inconstitucional no que diz respeito à questão carcerária brasileira. Tal concepção, oriunda do tribunal constitucional colombiano, vem a luz quando se verifica violação sistemática e massiva de direitos fundamentais, cuja solução requer a atuação de mais de um Poder, instituição ou agente da República, vale dizer, tem um caráter complexo e demanda portanto reações complexas. Exatamente como a questão carcerária.
O condenado em nossas sociedades — falo no plural: penso no "Vigiar & punir" foucaultiano, outro clássico de leitura imprescindível — é em regra exposto a duas penas. Primeiro aquela legal, conforme a legislação penal. Segundo, as condições em que aquela é cumprida. Isto é, não basta a privação de liberdade, é mister que se dê em contexto subumano. Algo como uma pena acessória. E apontar isso é "ter pena de bandido" e, ora, tá com pena?, leva para a casa.
Em essência tal é o discurso bolsonarista para a questão carcerária. É de uma obtusidade atroz, ainda que falar em obtusidade bolsonarista seja das redundâncias mais certeiras. Não percebem que em contexto de masmorra medieval o detento não se recupera e terminará de volta às ruas pior do que antes. Um sistema penitenciário decente, antes de ser uma garantia de direitos fundamentais do indivíduo, é uma garantia social. Há necessariamente que tomar as coisa sob um ponto de vista de coletividade — ter em mente que o condenado está inserido em uma rede de relações, ou seja, possui família, amigos; um ofício ou pelo alguma participação, ainda que potencial, na vida econômica da sociedade e assim por diante. As nossas vidas nos transcendem. O caráter disruptivo da condenação criminal deve ser devidamente orientado pelos órgãos públicos para que não redunde em ainda maior prejuízo social.
Anos atrás vi as cenas da rebelião no Complexo Penitenciário de Pedrinhas no Maranhão, com suas cabeças roladas e corpos picotados. Um horror digno dos piores pesadelos imaginados por roteiristas de ficção. Isso foi em 2010, portanto antes do julgamento da ADPF pelo STF. Como anda o "estado da arte" nesse quesito? O quanto melhoramos? A brutalidade carcerária é uma das dimensões de nossa brutalidade enquanto sociedade.
Em tempo, a respeito do tema escrevi o texto Sobre zoológicos em outro blog em 2011, e convido o leitor a ele.
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