"O direito é criado pelo homem, é um produto tipicamente humano, um artifício sem entidade corporal, mas nem por isso menos real que as máquinas e os edifícios." - Gregorio Robles

5.5.22

Reafirmando platitudes por justiça social

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No último 14 de abril nós do IAB (Instituto dos Advogados Brasileiros) fizemos o lançamento online da obra "O IAB e os pareceres da Comissão de Direito Constitucional". Foi um evento muito exitoso e que coroou os esforços da Comissão, todos trabalhos jurídicos de alta qualidade. Eu tive a honra de participar da empreitada com dois pareceres. Falo deles a seguir.

O primeiro parecer enfrentou a PEC 80 de 2019, oriunda do Senado Federal, que pretendia alterar os artigos 182 e 186 da Constituição Federal para dispor sobre a função social da propriedade urbana e rural. A PEC na prática impossibilitava, ou no mínimo dificultava, a desapropriação por desrespeito à função social da propriedade, adotando uma posição claramente benevolente para com o proprietário desidioso.

Enfrentando isso, meu parecer precisou reafirmar platitudes, que é dizer que a função social da propriedade se encontra na Constituição e que isso nada tem de revolucionário ou subversivo. Ocorreu-me que muitas vezes precisamos repetir platitudes — como é atribuído a Bertolt Brecht na famosa frase, tempos em que é preciso repetir o óbvio.

Pois bem, aquela interpretação mesquinha da primeira dimensão de direitos humanos, que leva ao extremo do individualismo, está defasada e superada. Tal primeira dimensão, a das liberdades clássicas  — incluindo a liberdade quanto à propriedade, tema aqui tratado —, vem enriquecida, encorpada, pelas dimensões seguintes (os direitos sociais, os direitos de fraternidade e assim por diante). De modo que o que temos hoje, em um Estado dito Democrático e Social de Direito, é uma rede de solidariedade. Não por acaso há muito o Supremo Tribunal Federal, conforme a doutrina alemã, fala da eficácia horizontal dos direitos fundamentais; isto é, não é apenas perante o Estado, mas também diante do seu próximo, diante do seu semelhante. Há uma teia de solidariedade social. Somos seres sociais, e é inclusive o que justifica o Direito, que Clóvis Beviláqua sinteticamente definiu como a organização da vida social.

De modo que a propriedade não pode mais ser entendida como um direito "sagrado", intocado. Ao contrário, como prevê a Constituição deve cumprir função social sob pena de expropriação, que em todo caso é indenizável. 

Como se não bastasse, a PEC que enfrentei no parecer ainda viola o princípio da separação de poderes, porque queria condicionar o ato expropriatório à anuência da casa legislativa, quando, hoje, é prerrogativa da autoridade administrativa.

O segundo parecer foi um estudo da constitucionalidade da política de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro, não apenas à luz do ordenamento nacional mas dos tratados internacionais. 

O objeto do escrutínio foi o governo eleito no pleito estadual de 2018, e sob cujas diretrizes o Rio de Janeiro atingiu índices recordistas de letalidade policial, conforme inclusive noticiado amplamente na mídia estrangeira. É o governo do "tiro na cabecinha", de macabra herança porque ainda que o governador em questão tenha sofrido impeachment o seu vice ocupa o Guanabara (com chance de reeleição no fim do ano) e em essência é a mesma mentalidade que, verdade seja dita, não começou em 2018.

De modo que no parecer nós denunciamos a política de faroeste, a política de bangue bangue, que não traz a menor melhoria na pacificação social, ao contrário é instrumento de higienismo classista porque sabemos que a vítima número um de tal política de insegurança pública é o jovem preto e pobre.

E concluímos o parecer apontando a inconstitucionalidade de tal política, dentre outros por violação cabal da dignidade da pessoa humana, que é fundamento da República, e apontamos que o combate à criminalidade demanda não fuzilamentos sumários pelas vielas urbanas, mas inteligência, controle de portos e aduanas, por exemplo, uma legislação eficaz — eficaz, bem entendido, não quer dizer legislações draconianas de caráter populista demagógico que nada mudam — e sobretudo justiça social. 

Convido a todos para que adquiram a obra e leiam os excelentes pareceres. Pode ser adquirida no site da editora ou diretamente com este que vos fala. 


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