"O direito é criado pelo homem, é um produto tipicamente humano, um artifício sem entidade corporal, mas nem por isso menos real que as máquinas e os edifícios." - Gregorio Robles

11.1.22

No capitalismo tardio o consumidor nunca tem razão

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Com o fim do recesso do Judiciário, no início deste janeiro, voltei minha atenção — até então às voltas com rabanadas, panetones e outras guloseimas de fim de ano — para minha caixa de emails profissionais e todo volume acumulado nas últimas semanas. Trocentos newsletters, spams, anúncios, mensagens de grupos de advogados e informativos dos tribunais superiores.

Abro então o "Informativo de Jurisprudência" nº 721 (13 de dezembro de 2021) do Superior Tribunal de Justiça. E quase caio para trás. Leiam com seus próprios olhos:

DESTAQUE
O atraso, por parte de instituição financeira, na baixa de gravame de alienação fiduciária no registro de veículo não caracteriza, por si só, dano moral in re ipsa.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Para a jurisprudência desta Corte Superior, o dano moral pode ser definido como lesões a atributos da pessoa, enquanto ente ético e social que participa da vida em sociedade, estabelecendo relações intersubjetivas em uma ou mais comunidades, ou, em outras palavras, são atentados à parte afetiva e à parte social da personalidade (REsp n. 1.426.710/RS, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 25/10/2016, DJe 09/11/2016).

Por outro lado, segundo o ordenamento jurídico, para haver a reparação por danos morais, devem estar preenchidos os três pressupostos de responsabilidade civil em geral, quais sejam: a ação, o dano e o nexo de causalidade entre eles. Apenas nessa hipótese, surgirá a obrigação de indenizar.

Assim, a regra é de que o ofendido que pretende a reparação por danos morais deve provar o prejuízo que sofreu. Em algumas situações, todavia, o dano moral pode ser presumido (ou in re ipsa).

O dano moral, nesses casos, deriva necessariamente do próprio fato ofensivo, de maneira que, comprovada a ofensa, ipso facto, surge a necessidade de reparação, dispensando a análise de elementos subjetivos do agente causador e a prova de prejuízo.

Quanto ao caso em análise (atraso na baixa do gravame registrado), o atual entendimento de ambas as Turmas da Segunda Seção desta Corte é no sentido de afastar o dano dano moral presumido, entendendo ser necessária a comprovação de situação fática que ultrapasse os aborrecimentos normais do descumprimento do prazo pactuado entre as partes.

Não se desconhece que o CONTRAN, por meio da Resolução n. 689, de 27/09/2017, estabeleceu o prazo de 10 (dez) dias para as instituições credoras informarem ao órgão de trânsito acerca da quitação do contrato.

Com efeito, é certo que a não observância do referido prazo, ou daquele pactuado entre as partes, configura descumprimento do ordenamento jurídico ou do contrato, todavia, não comprovado nenhum dano advindo em decorrência desse ato, inexiste direito à reparação por danos morais.

O possível aborrecimento suportado pelo proprietário que, mesmo após a quitação do contrato, precisa procurar a instituição credora para providenciar a baixa na alienação fiduciária no registro do veículo, não passa de mero contratempo, comum à moderna vida em sociedade, não podendo simples transtorno ser definido como dano moral, sob pena de banalização do instituto.

O julgado acima diz respeito ao REsp 1.881.453-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze. O link para acesso ao informativo é este, na fonte original.

É outro 7 a 1 contra o consumidor, não? O "aborrecimento" suportado pelo consumidor por desídia da instituição financeira é apenas isso, "aborrecimento". Contratempo "comum" e não mais que isso. É ou não é absurdo? Mormente se tivermos em vista que estamos falando de instituições financeiras, poderosíssimas. Vai lá você causar "aborrecimento" para o banco. Ficará por isso mesmo? Se até tarifa por extrato e saque cobram... Não senhor, é sempre você, consumidor, que suportará o "aborrecimento", "comum à moderna vida". E suportará caladinho porque o Superior Tribunal de Justiça, tribunal dito da cidadania, diz que bancos estão liberados para causar aborrecimentos ao consumidor.

Tudo isso é sintoma do grau de desenvolvimento, ou subdesenvolvimento, melhor dizendo, de nossa sociedade. Como diz Lenio Streck somos um país de modernidade tardia, ao que se pode acrescentar — se é que ela, a modernidade, chegou... Ainda não introjetamos direitos fundamentais passados quase 300 anos desde as Luzes. O direito do consumidor tem natureza pública, está na Constituição. Mas o que temos por essas plagas é o grande carnaval do capital financeiro.

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