"O direito é criado pelo homem, é um produto tipicamente humano, um artifício sem entidade corporal, mas nem por isso menos real que as máquinas e os edifícios." - Gregorio Robles

15.3.13

Sobre princípios contratuais

contratos boa-fé jurisprudência

A matéria abaixo foi extraída do sítio do TJ/RJ (aqui). Independentemente do mérito e dos atores envolvidos, gostei da observação do relator: a boa-fé objetiva (um dos princípios do direito contratual) não é exigida apenas no ato de formalização do contrato, e sim durante toda sua duração. Parece uma obviedade, mas é oportuno ressaltar. 

E qual é a importância disso, aqui no blog? É que não se pode deixar o direito contratual de fora da abordagem publicista. A supremacia da ordem pública, aliás, também é princípio contratual. A Constituição deve ser o norte do ordenamento jurídico. É o fenômeno da constitucionalização do Direito, que não consiste em levar à Constituição dispositivos jurídicos que lá não deveriam estar, e sim, como diz Luís Roberto Barroso, de fazer da Constituição "um modo de olhar e interpretar todos os demais ramos do Direito" ("Curso de Direito Constitucional Contemporâneo", Saraiva).

Segue abaixo a matéria.

A 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio decidiu que a Cervejaria Petrópolis, que produz a cerveja Itaipava, deverá manter sua marca nas placas de publicidade que aparecem nos estádios de futebol durante os jogos do Estadual do Rio, devendo ser retiradas as referentes à cerveja Brahma. De acordo com o processo, a Sportplus Marketing Esportivo, concessionária das placas de publicidade, rompeu unilateralmente o contrato que mantinha com a Cervejaria Petrópolis referente aos campeonatos de 2012, 2013 e 2014 e renegociou a publicidade com a Ambev, detentora da marca Brahma.

Em decisão unânime, os desembargadores deferiram o recurso das empresas Leyroz de Caxias Indústria Comércio & Logística e Cervejaria Petrópolis para que seja mantido o vínculo contratual entre elas e a Sportplus Marketing Esportivo. Em caso de descumprimento, a concessionária terá que pagar R$ 300 mil a cada jogo.

Segundo o desembargador relator do processo, Marcelo Lima Buhatem, houve confissão da concessionária de que, após romper imotivadamente o vínculo contratual, assinou contratou com a Ambev referente à mesma publicidade anterior. “Entendo dever ser preservado o vínculo negocial, cujos efeitos desejados e protegidos pelo próprio ordenamento não podem se curvar à voracidade comercial das práticas de mercado e potestividade de uma cláusula que permite a resilição unilateral, com nítido abuso do poder econômico por parte de terceiro dirigido à frustração do crédito alheio”, destacou na decisão.

Para o desembargador, o contrato deve ser mantido, mesmo com o pagamento de multa contratual pela quebra do vínculo. “Ainda que depositado o valor da multa pela agravada, ressalte-se que a agravante não efetuou o levantamento da quantia, sendo inegável e incontrastável o interesse desta na manutenção do vínculo comercial, tanto que recorre ao Estado-Juiz para ver acatada a postulação”, afirmou.

O magistrado explicou também que hoje não mais se legitima a leitura isolada de uma cláusula quando esta estiver em confronto com outros princípios fundamentais, como a boa-fé objetiva, que deve nortear o vínculo contratual. “É o caso dos autos, onde a interpretação isolada e literal da cláusula de ‘9.1’ do contrato, que permite a resilição unilateral e desmotivada do vínculo contratual, alçaria a uma solução descompromissada com o ideal de justiça, que deve permear o sistema, com grave ruptura do princípio da boa-fé objetiva, pedra angular e base de todo e qualquer contrato, ainda mais quando comprovadamente terceiro concorre decisivamente para o destrato”, ressaltou.

Ele disse ainda que não foi imputada à Cervejaria Petrópolis qualquer conduta lesiva ou descumprimento de cláusulas contratuais que justificassem a ruptura do contrato. “A conduta da agravada em resilir unilateralmente e de forma desmotivada o vínculo negocial, frustrando sua própria execução, revela-se comportamento contraditório”, afirmou.

O desembargador destacou que a boa-fé objetiva deve se manter durante todo o contrato. “Lembre-se que se exige a boa-fé objetiva não somente na formalização do contrato, mas também em toda a sua vigência, afastando-se rituais de promiscuidades comerciais e exigindo-se ética nas relações interempresariais, fruto, invariavelmente, de decisões dos seus administradores”, completou.

Ele observou também que a finalidade da multa é ser coercitiva, pressionar o devedor a cumprir a decisão. “O valor arbitrado se revela razoável e proporcional à inércia do agravado, que já remonta à primeira decisão judicial, assim também à sua capacidade econômica, afastando qualquer possibilidade de caracterização de enriquecimento ilícito de sua parte”, finalizou.

Nº do processo: 0004329-02.2013.8.19.0000
 

 

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