"O direito é criado pelo homem, é um produto tipicamente humano, um artifício sem entidade corporal, mas nem por isso menos real que as máquinas e os edifícios." - Gregorio Robles

10.7.20

Nostalgia, pós-modernidade e advocacia de antanho

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Durante o almoço enviei mensagens para duas pessoas diferentes, em ambos os casos versando sobre fatos passados. Nada muito relevante, mas bateu a lembrança e, pronto, lá vamos remexer nos baús da memória. O tempo chuvoso ajuda na nostalgia. Já escrevi em meu blog poético sobre como pequenos detalhes, o clima inclusive, têm esse efeito no meu estado de espírito. Além de tudo percebo uma sincronicidade: era quinta-feira, dia do Throwback Thursday semanal.

Sempre é assim, não? Antigamente que era bom. Na "Ilíada" os gregos beligerantes falavam com admiração dos herois do passado. As gerações anteriores eram superiores: para Nestor, Teseu era melhor que seu contemporâneo Aquiles. O momento presente parece esmaecer comparado com o passado. Penso que se por um lado nisso há algo de tributo aos avoengos, por outro lado traz um demérito para as gerações presentes. Somos piores que nossos pais (ou no mínimo como eles). Talvez não devêssemos nos cobrar tanto. Sob outra ótica, se as coisas vão mal isso não pode ser creditado em certa medida às condições legadas? Isso, culpa deles.

Tenho dúvidas em todo caso se esse passado edílico foi bão assim. Claro, depende do ângulo e do critério utilizado. É melhor passar por tratamento médico hoje do que no passado, por exemplo. O incremento técnico e humano na medicina é indiscutível. Ainda que o terraplanismo paire no ar, parece-me fora de dúvida que a ciência segue ascendente. Exupéry no "Terra dos homens" destaca que um mau estudante de então (escrevera nos anos 1930) sabia mais da natureza e suas leis do que Pascal no séc. XVII, mas que não eram iguais no mesmo movimento de espírito— este, Pascal, era dotado de uma genialidade que o mau, mas dotado de informações modernas, estudante não possui. Nesse quesito o avanço da ciência realmente não é um fator em si (gênios e medíocres, relativos que sejam esses conceitos, sempre existiram e existirão independentemente do "estado da arte"). Mas há o avanço, qualitativa e quantitativamente falando, e não se fala mais nisso.

Nós, profissionais do Direito, também podemos tecer considerações a respeito. Ainda que sob roupagens modernas (computadores, pen drives, web cams e toda a parafernália), nosso instrumental é o velho de guerra: a narrativa sobre leis. Em essência é isso. Nesse ponto, com a ressalva da facilidade no acesso de hoje (bancos de leis e teses jurídicas ao alcance do Google), um jurista do passado desempenharia seu mister com a mesma eficiência. E até melhor haja vista a deficiência no ensino. Mas há uma questão de costumes que nos separa dos causídicos de antanho. Parece-me que o trato entre advogados e magistrados era diferente, por exemplo; mais respeitoso, talvez? Ou seria também isso uma romântica ilusão? Ao que me consta Sobral Pinto foi levado às vias de fato com o diretor do presídio em que visitava seus presos políticos durante o Estado Novo. Sua biografia por John Dulles narra isso (se a memória, essa ingrata homenageada do post, não me trai), além de outros episódios em que o bravo advogado é alvo de boa dose de ataques. Mas em se tratando de "encrenqueiros" notórios como Sobral sempre se pode dizer que a resposta que recebia era proporcional à sua postura e que todo agente público é sobretudo de carne e osso e portanto dotado de simpatias e antipatias pessoais. A coisa precisaria ser vista em termos macro: afinal, as coisas já foram melhores para a Advocacia? Não tendo idade para comparar empiricamente, só posso conjeturar com base no lido e no escutado. E concluo que sempre foi uma faina hercúlea.

E a ciência jurídica tem evoluído, à parte os percalços advocatícios? Aqui é indiscutível que o constitucionalismo e os direitos fundamentais têm sido burilados com requinte. Se efetivamente introjetados pela sociedade, é outra história bem diferente. É bom que haja quem fale disso pelo menos. A teoria só se torna uma força material quando se apodera das massas, diz Engels, mas antes de tudo é preciso que haja teoria. Mas também aqui cabe o "por outro lado". Há inovações tétricas, como o famigerado pacote de Moro que espancaria ainda mais os já combalidos princípio da legalidade e o due process of law no Brasil. Nesses e em outros exemplos a roda da História caminharia para trás. Muito conteúdo de qualidade duvidosa tem sido produzido, com efeitos deletérios, sobretudo na pandemia de fake news e pós-verdade destes tempos pós-modernos. Ainda que não defendamos censura acadêmica ou de opinião, não podemos nos furtar de denunciar porcaria quando vemos.

Em resumo, sou cético quanto à romantização do passado, assim como rejeito considerar a (pós)modernidade o melhor dos mundos. Vai do contexto e do ângulo, já falamos. Ponto de vista.

Vocês estão achando 2020 ruim?

Seus netos vão dizer, "antigamente que era bom".

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