"O direito é criado pelo homem, é um produto tipicamente humano, um artifício sem entidade corporal, mas nem por isso menos real que as máquinas e os edifícios." - Gregorio Robles

20.10.17

Cada um no seu quadrado


O processo penal moderno, pós-Luzes, tem como característica a separação do papel dos atores. Cada um no seu quadrado: polícia investiga, Ministério Público denuncia e o magistrado julga. É a única forma de garantir a paridade de armas entre acusação e defesa. O advogado particular (ou a Defensoria) tem diante de si uma tarefa hercúlea. Não quero aqui repetir lamúrias sobre a Advocacia (leia o recente post), mas é evidente, aos olhos de qualquer pessoa, que o promotor tem ao seu dispor -desde as próprias prerrogativas de cargo- uma gama enorme de ferramentas em relação ao causídico privado. Até a Defensoria, aliás, está um pouquinho melhor: ao menos possui seu controvertido poder requisitorial.

Foquemos no Ministério Público. É o dominus litis, o titular da ação penal. Mas isso não quer dizer que busque a condenação a todo custo. Ao contrário, o MP pode requerer o arquivamento do inquérito policial (art. 28, Código de Processo Penal) e, ainda que não possa desistir da ação penal (art. 42), pode opinar pela absolvição (art. 385). É isso que se requer de um órgão acusatório de um sistema que vele pelo devido processo legal.

Todavia, pergunto: um Ministério Público que também investiga (isto é, que mobiliza recursos, aparato, tempo e dinheiro público em busca de provas) teria essa serenidade? Ou, pelo contrário, toda a labuta investigatória não fará do promotor ávido para denunciar e buscar até o fim a condenação? Há que justificar o esforço, afinal. Questão de honra. Movimentar mundos e fundos para ao final "opinar pela absolvição"? No way.

É alvissareiro que outras instituições comecem a se insurgir contra um Super-MP, como a Polícia Federal neste link, criticando as nefastas "delações" importadas de outros países, onde o MP cobra o escanteio e corre para cabecear (e apita o gol). Não que a Polícia Federal seja ela própria isenta de abusos. Muito pelo contrário. Mas é emblemático que esses tensionamentos comecem a surgir no aparato policial-persecutório estatal.

O processo penal democrático pode ser imperfeito mas é a coisa mais preciosa que temos, como disse Einstein sobre as limitações de nosso conhecimento científico diante da realidade do universo. A paridade de armas entre acusação e defesa, princípios como juiz natural, promotor natural etc. são elementares. 300 anos após as Luzes e parece que não introjetamos isso. Tem alguém aí com saudade das masmorras?

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